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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

04.03.10

Eduardo Correia de Matos - Terra Conquistada


blogdaruanove

 

Eduardo Correia de Matos (1891-1971), Terra Conquistada (1946).

 

Capa e vinhetas, de abertura e fecho dos capítulos, de autor não identificado.

 

Com a presente obra, o autor obteve o primeiro prémio do Concurso de Literatura Colonial de 1945. Anteriormente, havia já publicado Sinfonia Bárbara (1935) e Há Quem Se Esqueça de Viver (1943). Posteriormente, publicou os volumes Almas e Pão (1948), Mundos do Mundo e Aconteceu em África, ambos em 1955.

 

Ainda em 1945, na colecção Damon, publicou as "Novelas de Cormat" – Do Tecto do Mundo ao Jardim dos Deuses: Romance no Tibet, A Montanha Sagrada: Romance em Bali e Alta Tensão: Romance em Nova Iorque, assinadas com o pseudónimo Cormat.

 

Traduzindo parte da vivência do autor em Moçambique, onde desempenhou o cargo de chefe dos serviços agrícolas de Inhambane, o romance Terra Conquistada entrecruza as tradições locais com a acção colonizadora portuguesa, num discurso narrativo entremeado de diversas expressões de Quelimane e da Zambézia.

 

Tal como aconteceu com outras obras de literatura colonial, esta opção discursiva justificou a inclusão de um glossário anexo, com dezenas de vocábulos, para permitir maior legibilidade de um texto que ocasionalmente se aproxima do registo etnográfico.

 

 

Desta obra transcrevem-se alguns dos parágrafos iniciais:

 

"Analisava-as uma a uma. Nenhuma possuia tantos encantos como Majioa! Havia no rosto dela música aliciante. A entonação da sua voz tinha harmonias de niacatangani. Nos seus olhos de gazela dardejava o poder de domínio do Lipala, o mais astuto combaissa de terras de Quelimane.

 

Andava enfeitiçado. Bem podia dizer que era ela o seu mucuirre. Mecânicamente, fazia coro com os outros no vitelini, mas, no interior do seu cérebro, andava uma voz a recordar-lhe aspirações antigas, ora, exaltante como toque de biri-biri, ora suave como vibração de msirimbo.

 

Aquela voz ia-lhe lembrando ocasiões em que a vira, em requebros de dança, a compasso de cantos e tugurus, ao som de mchito ou de arritimula, em movimentos lascivos, na dobuta, na ingosi, na malé-olé.

 

O tio Rupia, que ali jazia inerte na palhota, tivera-a também em grande apreço. Codjilés de latão a rodear-lhe os artelhos e subindo até quase o meio da perna, pesadas argolas de cobre a pender-lhe das orelhas, grossos colares de contas a envolver-lhe o pescoço, tudo em quantidade maior do que em qualquer outra, bem demonstravam a preferência que Rupia lhe dispensava.

 

Vezes sem conto, Meoéla pretendera seduzi-la. Tinha coqueiros de sobra que daria de indemnização, se o tio viesse a saber que ele o traíra. Ela esquivara-se-lhe, sempre desatenta aos seus rogos, às seduções com que procurava conquistá-la.

 

Desta vez seria sua! Não porque ele fosse o herdeiro do morto. Diversamente do que se dava em outras regiões da Africa, o herdeiro de Rupia seria um filho deste e de Majioa, rapazote de doze anos apenas. Herdaria do pai todos os bens incluindo as mulheres, à excepção da su aprópria mãe. Seria ele, Meoéla, na qualidade de sobrinho do morto, que Majioa teria de aceitar para marido, como era do uso udja mirriba. Podia abandoná-lo no dia seguinte, se não lhe agradasse aquela ligação. Procedendo assim, receberia da família do defunto marido um anel, o pèté, a indicar ter quebrado com ela, para sempre, todas as ligações.

 

À ideia de ser repudiado, confrangia-se o coração de Meoéla. Por que havia Majioa de repudiá-lo? Não era ainda novo? Não era dono de muitos coqueiros? Não faria larga colheita de copra que permutava por capulanas, contas, sal, peixe e outras mais coisas do seu agrado? Se em ocasiões passadas ela se furtara aos seus galanteios, fora certamente por fidelidade ao marido, não por o detestar."

 

 

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