Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

15.03.10

Luís Cancela - Surpresas do Sertão


blogdaruanove

 

Luís Cancela (1866-1927), Surpresas do Sertão (1946).

 

Este volume, subintitulado Cartas de um Missionário a seus Sobrinhos, apresenta de facto uma compilação de 15 cartas endereçadas aos sobrinhos do autor e 1 a seu irmão.

 

Retratando a estadia em Angola de Luís Lourenço Cancela, enquanto missionário Visitador e Superior Principal do Grupo de Missões de Malange da Congregação do Espírito Santo, entre 1910 a 1926, o livro utiliza o género epistolar para registar o itinerário que o autor percorreu e para algumas anotações de carácter sócio-cultural relativas a diversas etnias do território.

 

Trata-se de um registo quase diarístico, onde os relatos fidedignos ou as notas etnográficas se sobrepõem à preocupação literária.

 

Transcreve-se de seguida uma dessas passagens, de carácter etnográfico:

 

"Pelo caminho fomos assaltados por um bando de raparigas, todas pintadas de pemba, espécie de barro, as quais traziam na mão uns bordõezinhos, parecidos com maçanetas de tocar bombo. Não falavam.

 

A nós, missionários, riam, mostrando os dentes e arregalando aos olhos desmesuradamente, mas aos nossos pretos atacavam-nos, procurando tirar-lhes das mãos os seus paus.

 

Que monstros eram aqueles, assim saídos da mata, quase em completa nudez, e de que toda a gente tem de fugir?

 

É costume naquelas terras [Cuanhama e Evale], todos os anos, no tempo do verão, construírem nos matos, longe do povo, uns acampamentos, aonde vão passar dois meses, isoladas, sem falarem com ninguém, todas as raparigas que chegam à idade de casar. É uma espécie de noviciado da vida gentia. Comem o que os pais lhe levam e frutos do mato. De dia podem sair, atacar os passageiros e roubá-los, sem que estes se possam defender. De noite têm obrigação de cantar, sem parar,até pela manhã. Toda a gente, ao vê-las, foge, pois lhes não é permitido, pela sua religião, defenderem-se.

 

Passado aquele tempo de prova, pintam-se de pemba e voltam para o seu povo. Vendo-as assim, todos ficam sabendo que são mulheres e que podem casar. Até ali, nem eram homens nem mulheres; eram do género neutro. Em seguida lavam-se, vestem-se como as outras e esperam que lhes apareça noivo.

 

Para os rapazes existe quase o mesmo costume, mas com outras cerimónias diferentes."

 

© Blog da Rua Nove