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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

12.04.10

Alexandre Cabral - Terra Quente


blogdaruanove

 

Alexandre Cabral (pseudónimo de José dos Santos Cabral, 1917-1996), Terra Quente (1953).

Xilogravura de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957). Marca de posse de Pinto Quartin (1887-1970).

 

Novela, de acordo com a classificação do autor, que se desenvolve em torno de cinco personagens – Afonso, Fula, Kigala, Tiago e Zabete, e nos mostra como a relação de sangue pode ceder dramaticamente perante a cobiça e outros interesses, Terra Quente é uma das obras literárias mais poderosas de Alexandre Cabral, nomeadamente no que diz respeito ao relacionamento trágico entre tio, Afonso, e sobrinho, Tiago, os protagonistas.

 

Transcrevem-se de seguida alguns parágrafos desta obra:

 

"Precisamente nesse momento Tiago deu conta que os machados permaneciam inactivos, no meio do chão, e as serras não funcionavam. Que se passava? Era dia de festa!?

 

Cobriu-se com o casque amplo e correu para junto dos trabalhadores, agrupados em torno de um companheiro. O homem apresentava um grande rasgão na mão direita donde o sangue brotava abundantemente. Estavam os dois a serrar quando o aço traiçoeiro apanhou a mão desprevenida que resvalara do punho da ferramenta.

 

Tiago ficara perplexo. Que devia fazer? O diabo contorcia-se com dores, que a ferida era era funda e o sangue não parava de correr. Os nativos nem responderam às suas alarmadas perguntas. Todos procuravam o Daniel, como se este fosse o salvador. Mas o preto estava no meio da floresta a dar de corpo. Por fim, o negro apareceu, esbaforido. E, então, assistiu a esta cena espantosa. Daniel foi num instante buscar um frasco de vidro, dentro do qual se movia uma massa escura. Eram formigas descomunais, da grandeza de uma abelha. Um dos companheiros segurou na mão do sinistrado e juntou cautelosamente os dois lábios da ferida. Entretanto, Daniel retirara do recipiente uma formiga e aplicou-a sobre os bordos sangrentos. Prontamente as pinças do animal se fincaram na carne do paciente. Depois, com extrema habilidade, decepou com as unhas a cabeça do insecto. Repetiu a operação quatro vezes uilizando outras tantas formigas. E a ferida ficou suturada com os estranhos agrafes. Em breve estancara o sangue.

 

Tiago manifestou a sua admiração, mas Simon respondeu irònicamente:

 

– A gente também tem segredo, não é só o branco."

 

Para outra pequena recensão sobre uma colectânea de contos do mesmo autor, cf. http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/5109.html.

 

 

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