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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

16.04.10

Reis Ventura - Queimados do Sol


blogdaruanove

 

Capa de Neves e Sousa (Albano Neves e Sousa, 1921-1995).

 

Reis Ventura (1910-1988), Queimados do Sol (1966).

 

Na linha de internacionalização do enredo das suas narrativas e da diversificação de origem das personagens, ensaiada já no seu romance anterior, Engrenagens Malditas (1964), Reis Ventura apresenta-nos aqui um conjunto de personagens que não só pretendem transmitir uma ideia de mestiçagem e unidade nacional como também de bom relacionamento internacional.

 

Apesar de constantes referências à situação no território (cf. evocação de ataques e massacres na frase "... em direcção à exígua pista de aterragem, vermelha como um lanho de catana...") e à nova ordem internacional (cf. "... alguns com barba crescida à Fidel Castro...") este romance articula-se de forma mais interessante que o antecedente.

 

Será, eventualmente, a primeira obra literária do autor posterior ao eclodir da guerra em Angola que retoma um fio narrativo e literário consentâneo com os modelos da trilogia dedicada a Luanda. Com um enredo desenvolvido entre Luanda, Nóqui, Matadi e Thysville (ex-Congo Belga), o romance não ignora contudo a nova realidade angolana, surgindo até como um subtil panfleto sobre as qualidades e as razões da colonização portuguesa.

 

Segundo fontes próximas do autor, uma das características que marca também a obra é a referência indirecta a um drama familiar, através do estado demencial que afecta o protagonista, o alferes Tanha, após a sua detenção e tortura.

 

A dedicatória deste volume, "Ao Dr. Amândio César / escritor de talento / e português de boa têmpera", remete-nos para um autor que já dedicara muita da sua atenção à literatura africana e viria a publicar em 1972 uma Antologia do Conto Ultramarino (http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/658.html) onde Reis Ventura seria incluído.

 

Do romance Queimados do Sol transcrevem-se alguns parágrafos:

 

"Quando Ana Maria e seu pai sairam do recinto da alfândega, no Aeroporto de Luanda, encontraram a esperá-los os Malagambas, que lhes tinham oferecido dois quartos na sua casa do Bairro do Café, enquanto não conseguissem um apartamento na superlotada capital de Angola.

 

Os Malagambas viviam agora sòzinhos naquela ampla vivenda construída nos bons tempos da alta do café, com os primeiros lucros da sua roça do Quibaxe. Ele – Firmino do Santos Malagamba – era um tripeiro de gema, nascido na Rua da Cedofeita e crescido no ambiente laborioso do Porto, entre os seus livros de aluno da Escola Industrial e a tarefa de ajudar os pais na labuta duma pensão que tinham instalado com dinheiro ganho no Brasil.

 

Com 19 anos e já com a sua carta de curso, embarcara para Angola e à custa de muito esforço, começando por simples mecânico, tinha chegado a proprietário duma importante oficina de reparação de automóveis e a dono daquela plantação de café em que, pela graça de Deus, os terroristas não tinham tocado.

 

Aos vinte e sete anos casara com a Manuela Vieira, filha mestiça dum comerciante abastado, que era então famosa em toda a cidade, pela sua beleza e pela sua voz de ouro nas festas do antigo Clube Naval.

 

Agora, ambos tinham já cabelos brancos e dois rapagões na Universidade de Lisboa, um a começar Medicina e o mais velho já no terceiro ano de Direito.

 

Gente de vida desafogada e com boas relações na classe média da cidade, realizava em sua casa, pela diversidade étnica dos que a frequentavam, um exemplo bem típico da sociedade multirracial de Angola."

 

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