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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

10.03.10

Manuel Lopes - Os Flagelados do Vento Leste


blogdaruanove

 

Capa de Marcelino Vespeira (1925 -2002).

 

Manuel Lopes (1907-2005), Os Flagelados do Vento Leste (1960).

 

Manuel Lopes já tratara a temática da fome no seu anterior romance, Chuva Braba (1956; http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/6599.html). É contudo em Os Flagelados do Vento Leste que desenvolve um intenso cenário de desolação, o qual promove o desespero e a degradação humana.

 

Em páginas sofridas e cheias de tensão, o leitor assiste ao desenvolver de uma narrativa marcada por um neo-realismo de carácter insular, que em parte evoca alguma da ficção de temática nordestina do autor brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953).

 

José da Cruz, lavrador, e um dos seus filhos, Leandro, pastor transformado em salteador, são as personagens nucleares de duas narrativas que se entrecruzam, traduzindo a impotência dos habitantes da ilha de Santo Antão perante a força dos elementos.

 

Da narrativa transcrevem-se dois excertos:

 

"Aquela tira de carrapato era sinal de trabalho, símbolo de emancipação, na ideia do rapaz. Significava que nele se estava operando a passagem de menino para homem. Na verdade, era o começo da escravização do menino pela terra, sob o disfarce tentador da responsabilidade de homem. Todo o catraio que ajuda o pai no tráfego sério das hortas sente grandeza em ser tratado de igual para igual e em trazer aquele distintivo. Os homens usavam, naturalmente, o cinto para suster as calças, mas também para enfiar a faca. O pai tinha um lato de coiro e um cartuchinho também de coiro – a bainha – para guardar a faca. Os meninos sonham com a bainha de cabedal, emblema de responsabilidade. "Uá! Tu não tens uma faca como eu. Foi nha-pai que deu para eu ajudar ele nos mandados da horta". Então, às escondidas, já picam tabaco de rolo com a faca, e enrolam o seu cigarrinho na palha de milho. Depois enfiam o calção de dril azul ou cotim ou vichi para esconder a vergonha e andarem mais afoitos no meio de raparigas. E aprendem a limpar o suor com as costas das mãos –a princípio por puro espírito de imitação – quando, no fim do dia, empunhando o rabo da enxada, regressam ao terreiro da casa atrás do chefe de família. Porque infância de menino de campo é isto: trocar as mamas da mãe pelo cabo da enxada do pai. Porque o homem do campo não teve infância. Teve luta só, e luta braba. E esperanças e incertezas; a labuta das águas e o drama da estiagem marcados nas faces chupadas e no olhar sério. [p.52]"

 

 

"Era a luta. A luta braba que começava. Contra os elementos negativos. Contra os inimigos do homem. A luta silenciosa, de vida ou de morte. Introduzia-se primeiro no entendimento. Depois, entrava no sangue e no peito. O homem tornava-se a força contrária às forças da Natureza. Por um mandato de Deus, o homem lutava contra os próprios desígnios de Deus. Dava toda a vontade e a sua força. Não podia fazer mais nada. O que está acima da força do homem não pertence aos seus domínios. O homem tinha uma medida. Chuva, vento e sol estavam fora dessa medida, e o homem não se podia incriminar  pelo que sucedia fora da sua medida. Os desígnios de Deus eram superiores à vontade dos homens, mas o dever do homem era lutar mesmo contra esses desígnios. [p. 96]"

 

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