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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

12.04.14

Delfim Guimarães - Manzalé


blogdaruanove

Capa de Helena Roque Gameiro Leitão de Barros (1895-1986).

 

José Galino Marques, (1888-19??), org., In Memoriam de Delfim Guimarães: 1872-1933 (1934).

 

Apesar de esquecida na actualidade, a obra de Delfim Guimarães desmultiplicou-se por vários volumes no domínio da poesia – entre Lisboa Negra (1893) e A Paixão de Soror Mariana (1926) publicou quinze outros títulos, da prosa, como Alma Dorida (1893) ou Ares do Minho (1908), da dramaturgia ou ainda da história da literatura.

 

Autor de poesia tão diversa como a que se encontra em Confidências (1894), onde é patente o desalento pela decadência da pátria (cf. http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/408477.html), ou O Livro de Bèbé (1917), álbum dedicado aos recém-nascidos e ao registo do seu desenvolvimento com belíssimas ilustrações de Raquel Roque Gameiro (1889-1970; cf. http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/tag/raquel+roque+gameiro), Delfim Guimarães foi também o fundador, em 1899, da editora Guimarães, a qual resultou da reorganização de uma companhia que entrara em dificuldades financeiras, a Empresa Literária Lisbonense.

 

Delfim Guimarães foi ainda administrador do concelho de Ponte de Lima e representante da firma D. Aurora de Macedo, Lda., proprietária da Roça Pinheira, na ilha de S. Tomé.

 

No âmbito da gestão daquela firma, deslocou-se a S. Tomé nos anos de 1906, 1907, 1909, 1912, 1916, 1921, 1922 e 1925. Durante esta última estadia na ilha, escreveu um longo poema com 47 quadras, intitulado Manzalé e datado de 22 de Junho. Este publicou-se, sob o pseudónimo Dominó Branco, nos números 73 e 74, de 25 de Junho e 2 de Julho, do jornal local A Desafronta

 

Conjuntamente com várias outras poesias do autor, esta composição poética foi reproduzida no volume, com 470 páginas, cuja capa se apresentou acima. As notas biobliográficas deste artigo são também baseadas nas informações constantes dessa obra.

 

De Manzalé transcrevem-se algumas quadras:

 

"MANZALÉ

 

Vê-la dançar a rebita,

Ou bailar o sòcopé!...

Era a fôrra mais bonita

Da ilha de S. Tomé;

 

(...)

 

Fui-me embora um belo dia...

Disse-lhe adeus contristado;

Com certa melancolia,

Deu-me um abraço apertado.

 

E entre risonha e chorosa

Disse, muito perturbada:

– Q'ria pedir-lhe uma cousa,

Mas sinto-me envergonhada...

 

– Seja o que fôr!... Dize! Pede!

Que desejas, Manzalé?...

Queres um tronco de pau-fede,

Queres a Roça de Água-Izé?

 

Pede-me o Sol, mais os astros,

Quanto desejes ou queiras...

Basaltos ou alabastros,

Mamões, okás, bananeiras!

 

Alma de pomba, sòmente

Uma lembrança apontou...

A prenda mais inocente

Que alguma mulher sonhou...

 

Em trinados, com as notas

Dum violino, num suspiro,

Disse-me ela: – Quero uns botas

Di loja Sun Casimiro!

 

 

Delfim Guimarães na Roça Pinheira, durante o ano de 1909. 

 

(...)

 

Ficou me p'ra tôda a vida

Uma fagueira impressão...

Eu tinha menos vinte anos,

E o meu peito era um vulcão.

 

Hoje estou muito mudado:

Deu comigo o salalé...

Ainda assim, fiquei radiante

Quando te vi, Manzalé;

 

E recordei, com carinho,

Agitado o coração,

Presentes que me fazias 

De goiabas e mamão!...

 

E as tardes que nós passámos

À sombra fresca do obó;

E as refeições que me davas

De calilu e jògó!

 

Aos teus rogos acedendo

– Manzalé, lembras-te tu! –

Trinquei um dentche de cola,

E até provei o sàfu...

 

Aos sàfus fui-me afazendo,

Com açúcar, por sinal,

Pois não podia comê-los,

Como tu, com água e sal...

 

Transformei-me quàsi em fôrro,

E em Mato-Andim construí

Uma casa de peralto

Que, Manzalé, te ofereci...

 

E dei-te também, recordo,

Enxoval liró, reinol,

Alvas camisas de rendas,

E um belo e farto lençol...

 

Que delícias que gosámos,

Que bela quadra louçã!

Aua di cõco, vim péma,

Jindungo, aua, banã!

 

Vai tudo isto distante!...

E é doloroso, ó se é,

Não poder voltar de novo

A êsse tempo, Nazaré!...

 

(...)"

 

© Blog da Rua Nove

28.02.10

Fausto Duarte - Auá


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Fausto Duarte (1903-1953), Auá (primeira e segunda edições, 1934).

Na capa, fotografia de Francisco de Oliveira (datas desconhecidas), exibida no Salão Internacional de Fotografia, Paris, 1933.

 

Com esta obra, Fausto Duarte recebeu o primeiro prémio de literatura colonial para 1934, tendo publicado posteriormente O Negro sem Alma (1935), Rumo ao Degredo (1938), A Revolta (1945) e Foram estes os Vencidos: Contos (1945). Neste último volume anunciava-se ainda a preparação do romance Os Escravos, de que não há registo de publicação.

 

Pouco antes de falecer, foi ainda guionista do filme Sortilégio Africano (também conhecido como Chikwembo!, 1953), realizado por Carlos Marques (datas desconhecidas).

 

Surgindo numa linha que se assume de algum modo como herdeira das obras de análise social e retrato psicológico de Abel Botelho (1854-1917; cf. http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/18759.html) – o próprio autor, na introdução, declara "Auá – documentário etnográfico – é também um novo capítulo da psicologia indígena." – este texto, para além de incluir diversas expressões em língua Fula, inclui ainda largas passagens em Alemão, factos que contribuem para um certo hermetismo do discurso narrativo. A isto soma-se também um constante recurso a palavras eruditas, em Português, que afectam a fluência discursiva e originam certa perplexidade na leitura, como se constata no seguinte excerto:

 

"Em Sare-Sincham a algazarra era infernal. Centenas de indígenas espalhados pela  tabanca envolta na clâmide branca do luar que descia incorpórea do plenilúnio, escutavam a toada rítmica dos balafons e as melodias árabes que os judeus, tocadores de nhanhero, cantavam com esgares de escárnio. Pouco a pouco formava-se o círculo onde o côro das raparigas fulas, vestidas garridamente para a festa, palmeava acompanhando a cadência ruïdosa dos tambores."

 

A narrativa desenvolve-se à volta de Malam, um Fula que vive em Bissau e se desloca à sua tabanca, Sare-Sincham, para desposar Auá. O percurso entre estas duas localidades, atravessando Mansoa, Bafatá, Geba e Contubo-el serve de pretexto para pequenas descrições da paisagem e das populações guineenses, culminando com a estadia na zona de fronteira que é Sare-Sincham e a referência a alguns usos e costumes das tabancas das redondezas – Cadembele, Malibula, Patinbal-a e Sare-Bailela.

 

Tal como em Na Terra do Café (1946; cf. http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/4526.html) de Metzner Leone (1914-1987), um feiticeiro-curandeiro indígena, o marabu Issilda, aproveita-se do seu estatuto para forçar situações de intimidade com as personagens femininas. Neste caso, a situação conduz a um desenlace desagradável para todas as personagens principais, culminando com a morte de Issilda e a separação entre Auá e seu marido Malam.

 

© Blog da Rua Nove