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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

30.01.17

Capelo e Ivens - De Angola á Contra-Costa (I)


blogdaruanove

 

Hermenegildo Capelo (Hermenegildo Carlos de Brito Capelo, 1841-1917) e Roberto Ivens (1850-1898) - De Angola á Contra-Costa: Descripção de uma Viagem Atravez do Continente Africano, volumes I e II (1886).

 

Tal como a anterior obra destes autores, De Benguella ás Terras de Iácca (1881), também estes dois volumes poderão ser incluídos na literatura de viagens, quando se confere a esta expressão um sentido lato.

 

Do capítulo V – Na Huilla, do primeiro tomo, transcrevem-se alguns parágrafos:

 

"Logo que por qualquer circumstancia, como roubo, assassinio ou doença, o adivinhador é chamado por uma tribu, tudo ali se prepara para a ceremonia, que quasi sempre é depois do accaso do sol, escolhendo-se noites escuras, e parece que ás vezes na lua nova, a fim do feiticeiro poder tirar maior vantagem, impressionando a imaginação do publico com o contraste das trevas e do fogo, que para esse effeito ateiam em diversos pontos.

 

Reunidos todos os individuos da terra em vasto circulo, dentro do qual crepitam, como dissemos, fogueiras que pela sua luz tremulante dão á scena phantastico aspecto, colloca-se a meio o n'ganga, prompto e paramentado, a face riscada com traços de cores, um enorme pennacho, a cabeça ornada de chifres de antilope, um bilboquet na mão e ás vezes caudas de animaes á cinta. Junto a elle, em pequena esteira, vê-se uma panella de barro contendo certo liquido especial, pequenos paus dispersos, e uma cabaça cortada em fórma de bacia, com varios objectos, cuja vista causa espanto, e que seria difficil descrever.

 

Bagos de missanga, buzios, pequenas imagens de pau, arremedando um homem ou uma mulher, pedras, bicos de aves, garras, pés ressequidos de corujas, etc., que ahi o visitante póde notar boquiaberto.

 

De subito o adivinho solta um silvo, e agitando o bilboquet enceta uma dança grotesca.

 

As mulheres cantam em côro ao compasso das palmas, emquanto elle, aos saltos, percorre os grupos e observa attentamente os circumstantes.

 

Aqui pergunta, acolá responde; finge afastar-se, de subito volve, mira, affirma-se, e como esperto e observador, espera a todo o momento ver transparecer no rosto ou nos movimentos inquietos de alguemm a provas do crime.

 

Por vezes sáe do circulo, acocora-se, confunde-se com a multidão, e raro será que, no caso de roubo, o supersticioso auctor, estando presente, não se tráhia por algum signal.

 

Apenas iniciado volve, e, em pulos estranhos, approxima-se da esteira.

 

Acocorou-se. Eil-o de joelho em terra, cabaça de feitiços na destra, a mão esquerda estendida horisontalmente, a cabeça curvada, acenando a compasso.

 

Ligeiros impulsos dados no sentido vertical deixam ver os objectos contidos no interior, até que, repetindo o movimento com mais energia, um d'elles cáe no terreno.

 

Largando a cabaça apodera-se d'elle, mira com ar bestial por momentos, firme, emmudecido; depois começa com esgares e momices, que pouco a pouco exagera, escancára a bôca, e arregalando os olhos injectados de sangue, eil-o que se levanta, e em saltos vertiginosos percorre a arena como um louco!

 

Á luz pallida dos madeiros que ardem, esse homem sarapintado, agitando-se no meio das mais estranhas convulsões, narinas entreabertas, labios espumantes, parece um verdadeiro demonio, revestido de todos os attributos com que a imaginação adorna esta casta de creações!

 

Apoz a estranha lucta, cáe emfim extenuado e, estrebuxando, profere o nome da victima, que, cheia de espanto, pretende fugir, mas é acto contínuo agarrada."

 

© Blog da Rua Nove

19.10.11

Capelo e Ivens - De Benguella ás Terras de Iácca (I)


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Hermenegildo Capelo (Hermenegildo Carlos de Brito Capelo, 1841-1917) e Roberto Ivens (1850-1898) - De Benguella ás Terras de Iácca: Descripção de uma Viagem na Africa Central e Occidental, volumes I e II (1881).

 

Primeira grande obra destes consagrados exploradores, De Benguela ás Terras de Iácca poder-se-á incluir na literatura de viagens, quando se confere a esta expressão um sentido lato.

 

De facto, esta obra, resultante da comissão oficial para que os autores, juntamente com Serpa Pinto (1846-1900), foram nomeados em 1877, apresenta um conjunto de registos geográficos, cartográficos e etnográficos com intenções políticas implícitas e bem definidas.

 

No entanto, muita da literatura colonial das décadas de 1920 e 1930 que entrecruza o registo jornalístico com o registo histórico tem subjacente quer este período das explorações por terra, quer os factos que depois se sucederam até ao Ultimato de 1890 e ao embate com Gungunhana e os Vátuas, em 1895.

 

Uma das obras dessa época que remete directamente para esta realidade do último quartel do século XIX, fazendo a ligação com o espírito colonial e imperial que o Estado Novo viria a alimentar, é A Derrocada do Império Vátua (1930), de Julião Quintinha (1885-1968), galardoada com o Prémio de Literatura Colonial.

 

© Blog da Rua Nove