Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

07.03.10

Gastão Sousa Dias - África Portentosa


blogdaruanove

 

Gastão Sousa Dias (1887-1955), África Portentosa (1926).

Ilustração para a capa de Tagarro (José Tagarro, 1902?-1931).

 

Autor de algumas dezenas de livros sobre África, essencialmente sobre a administração, a história e a política ultramarina, Gastão de Sousa Dias legou-nos também algumas crónicas que bem evidenciam a sua capacidade literária, particularmente no relato de viagens e na descrição de territórios africanos.

 

Neste volume, que foi galardoado com o prémio do primeiro Concurso de Literatura Colonial, promovido em 1926 pela Agência Geral das Colónias, essa característica é exemplificada nos capítulos intitulados Notas de Viagem, Nos Areais de Mossâmedes e Crónicas Africanas.

 

Aí se encontram páginas literárias de grande fluência e entusiasmo, descrevendo de forma singular as terras de Huíla e do sul de Angola, da Damaralândia e do Namibe, bem como os hábitos de caçadores, carreiros e agricultores dessas regiões.

 

Transcreve-se de seguida um pequeno excerto, um parágrafo, de Nos Areais de Mossâmedes:

 

"Somos ao todo uns vinte caçadores e nem uma palavra se aventura, todos dominados pela impressão estranha da ausência de vida, da escuridão, da planura rasa e negra sôbre que voamos. Nem o vulto duma planta, nem o vulto duma pedra! Marchamos por sobre uma superfície absolutamente plana, onde há a certeza de não encontrar senão areia compacta e firme, numa extensão de que não saberíamos dizer a profundidade. A vida deve ter morrido neste areal desolado e, não obstante irmos todos levados pelo desígnio de caçar, no nosso espírito forma-se a incredulidade de que seja possível encontrar um único ser da criação. Devoramos quilómetros. Uma pressa nervosa se apoderou dos chauffeurs. Dir-se ia que temos receio de perder um espectáculo de passageira duração."

 

© Blog da Rua Nove

07.02.10

Augusto Casimiro - Nova Largada


blogdaruanove

 

Augusto Casimiro (1889-1967), Nova Largada (1929).

Capa de José Tagarro (1902?-1931).

 

Augusto Casimiro desde cedo evidenciou nos seus textos preocupação com os territórios africanos sob administração portuguesa, não deixando de equacionar a questão sob termos políticos e militares. Com efeito, os títulos de alguns dos seus primeiros livros deixam clara essa abordagem e a relação entre África e a participação portuguesa na I Grande Guerra – Nas Trincheiras da Flandres (1918), Sidónio Pais (1919), Portugal e o Mundo : Um Sentido Português (1921), Naulila: 1914 (1922).

 

A partir do final da década de 1920, mas sobretudo nas décadas de 1930 e 1940, este sentimento africanista de Augusto Casimiro acentua-se e, a par de obras de carácter eminentementemente político, como Cartilha Colonial (1936), passamos a encontrar obras de ficção que traduzem a sua preocupação em idealizar ficcionalmente uma presença portuguesa em África, talvez por oposição à sempre difícil implementação na prática de alguns conceitos eventualmente demasiado utópicos.

 

Surgem, então, obras como Alma Africana (193-?), Portugal Crioulo (1940) e Paisagens de África (194-?). Augusto Casimiro, no entanto, desenvolveu durante décadas um percurso poético que se revelou em diversos livros e acabou por ser compilado postumamente no volume Obra Poética, editado em 2001 pela Imprensa Nacional–Casa da Moeda.

 

Nova Largada aparece-nos como uma narrativa a várias vozes, que se desenvolve quer através de excertos de diários quer através de excertos epistolares que são intercalados ao longo do desfiar da(s) história(s), tendo esta obra sido galardoada com o segundo prémio do concurso literário promovido em 1929 pala Agência Geral das Colónias. 

 

Traduzindo  aspectos da vida em África após o final da I Grande Guerra, este romance insere-se claramente na problemática que se colocou à administração portuguesa dos territórios africanos no pós-guerra, como podemos constatar em algumas passagens da introdução do autor – "No desbrave de terras afastadas – colonos, soldados, funcionários, – homens do meu país servem as mais diversas actividades, ao sabor de objectivos nem sempre acordes e na obediência a nem sempre justas normas. Entre êles, sôbre o naufrágio dos incapazes, sempre, – no ambiente mais rude, no esfôrço mais fiel ao instinto, quando não à alma, sobresai [sic], impõe-se o temperamento, a fôrça que só nas terras novas é possível aos homens das velhas metrópoles."

 

A crítica implícita em algumas das afirmações anteriores torna-se posteriormente mais clara, quando o autor afirma – "Vi-os [aos homens do meu país], inimigos ou ignorantes das populações nativas, perturbar-lhes a disciplina orgânica, os sentimentos tradicionais, as possibilidades de devenir. Mas conheci-os também fieis a intenções magníficas de humanidade, verdadeiros construtores, não de impérios mas de humanidade, entre povos ainda desconfiados e hesitantes, marcados pelas hesitações ou violências do passado domínio."

 

Assim se deveria entender, então, a proposta contida no título – Nova Largada, uma largada, uma nova largada, para a construção de um império humanista, um império de humanidade.

 

© Blog da Rua Nove