Ilustrações, e capa (?), de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957).
Ferreira da Costa (1907-1974), Na Pista do Marfim e da Morte (1944; presente edição, 11.ª, 1945).
Para além de constituir um enorme sucesso de vendas, como se verifica pelo número de edições, esta obra de Ferreira da Costa recebeu ainda o Prémio de Literatura Colonial de 1944, distinção que no ano seguinte foi também alcançada, no segundo escalão, por outro livro do autor – Pedra do Feitiço (cf. http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/8706.html).
No final da I República, ainda na sua juventude, o autor começara uma carreira de jornalista em a Tarde, onde convivera com Ferreira de Castro (1898-1974), Pinto Quartin (1887-1970), Reinaldo Ferreira (1897-1935) e Remédios de Bettencourt (datas desconhecidas). O valor destes laços compreender-se-á melhor se soubermos que foi através de Magalhães de Lima (1851-1928) que Ferrreira da Costa entrou no jornal.
O autor transitou ainda por outros jornais antes de prestar serviço militar. Foi nesta última situação que, em 1930, veio a ser colocado em Angola.
É precisamente no presente volume que, ao longo de mais de quatrocentas páginas e através de três narrativas – Vida, paixão e fim de André da Silva - o "Falta d'Ar", Sangue na planura e Seis horas de Angústia, o autor começa a relatar a sua vivência do início da década naquele vasto país [sic].
"A alvorecer, a máquina parou. O estrépito do cabrestante marcou o lançar do ferro. Galguei as escadas e avistei a terra – faixa verde-escuro, franjada pelas águas barrentas do Zaire. Nem uma casa. Nenhum sinal de vida. Senti funda inquietação, em frente daquela imagem desoladora. ¿ Que havia para além dos herméticos renques de palmeiras? Quedei cismático, dominado por mil ideas confusas e dúvidas angustiosas. Em roda, ia uma algazarra ensurdecedora. Os descarregadores "cabindas", recrutados para os trabalhos de bordo, berravam de alegria, por estarem na véspera do regresso à sua terra. Assobiava o vapor, nos maquinismos dos paus de carga. Abriam-se com estrondo os porões – abismos penumbrosos, no fundo dos quais se empilhavam caixas e sacaria. Vinha lá de baixo o cheiro enjoativo e morno das oleaginosas e das ramas do açúcar.
Olhava tudo e desfiava bizarras associações de ideas, buscando esquecer-me de que teria de deixar o navio – aquêle pequeno mundo que de-pressa estaria em Lisboa, encostado à terra onde eu contava amizades e onde dormiam os meus mortos... E, ao abranger a perturbadora incógnita surgida na minha frente, chegava-me uma sensação de mêdo, apetecia-me regressar à Metrópole, recorrendo a qualquer meio, por temerário que fôsse... Talvez oculto nos porões... Talvez, falando a um dos homens de bordo, conseguisse alguma coisa... Acudiam-me reminiscências de gente que viajara de "cachola" até o outro lado do Oceano, escondida entre a carga ou nas baleeiras de salvação, por baixo dos encerados presos nos esticadores...
Nada me dizia estar ali o fantástico cenário das páginas mais ardentes da minha vida, onde experimentaria as sensações mais fortes e contraïria esta saüdade imensa que, hoje ainda, punge o meu coração e me leva até lá baixo, ao cais, a espreitar os navios e pedir-lhes novas do grande país onde fui o que jamais voltarei a ser."
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