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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

30.08.13

Luandino Vieira - Duas Histórias de Pequenos Burgueses


blogdaruanove

Capa de Fernando Marques (datas desconhecidas).

Linóleo de Luandino Vieira (n. 1935).


Luandino Vieira (pseudónimo de  José Vieira Mateus da Graça, n. 1935), Duas Histórias de Pequenos Burgueses (1961).

 

Este conjunto de textos, publicado na Colecção Imbondeiro com um título sem qualquer relação com os dois contos apresentados – Inglês à Hora e O Sábado, As Raparigas e o Gato, apresenta duas narrativas datadas por Luandino Vieira de 2 de Julho de 1954 e 20 de Abril de 1955, respectivamente.

 

Segundo o autor, o título escolhido indiciaria "os momentos que atravessei e atravessaram os adolescentes da minha geração – melhor, da minha idade – perdidos nos quadros duma classe social cujas perspectivas já pressentiam ou sentiam ultrapassadas." Concluindo a sua introdução a este volume, Luandino Vieira declara – "O pequeno-burguês será, em breve, um animal pré-histórico."

 

Embora tal conceito remeta já para as posições que o autor haveria de desenvolver na sua obra mais célebre, Luuanda (1963), na continuidade de uma consciência idiossincrática de África com eventuais raízes num certo ideal social preconizado pelo grupo da Seara Nova e, posteriormente, pelo neo-realismo, estes contos abordam efectivamente a problemática da adolescência e da insegurança adolescente no seu relacionamento com o sexo oposto, evocando muita da temática que havia sido abordada por autores presencistas.

 

Luandino Vieira publicara até àquela data alguns dos seus textos em duas colectâneas – Contistas Angolanos (1960) e Poemas Angolanos (1961), havendo publicado anteriormente, também, o volume de contos A Cidade e a Infância (1954).

 

Residindo actualmente em Portugal, Luandino Vieira recusou em 2006 o prémio Camões, ano em que publicou o primeiro romance da anunciada trilogia De Rios Velhos e Guerrilheiros – O Livro dos Rios.

 

 

Do conto Inglês à Hora transcrevem-se os últimos parágrafos:

 

"Olhou-o. Notou um leve desprezo nos lábios dela. Mas porquê aquilo do marido? Estaria ela a fazer jogo claro, ou seria outra inconsciência?...

 

– Leia mais um bocadinho.

 

Ele recomeçou:

 

"I'm going to get out of this town" Nick said

 

"Yes" said George "That's a good thing to do"

 

Sim, o melhor é ir-me embora, senão perco a cabeça. Que quererá ela dizer com aquela conversa de marido? O meu marido... Era isso, oferecia e negava. Negava e oferecia. Era o seu jogo. Jogo um pouco perigoso porque oferecia tanto como negava.

 

– No próximo dia você tem outro conto: "The Devil and Daniel Webster".

 

Portanto, no próximo seria o Diabo... Ela olhava-o com o mesmo sorriso luminoso, trocista, cheio de sensualidade. Entreabriu os lábios, uns lábios grossos, sensuais. Fechou os olhos. Depois, abriu-os e sorriu. Ele não teve coragem... Mas talvez no próximo dia...

 

– ... "O Diabo e Daniel Webster" – disse ela.

 

Sim, o Diabo... Talvez o Diabo e Sr. Lima!

 

– Boa noite, Sr. Lima!

 

– Boa noite...

 

Os seus olhos ficaram espiando-se. Ela sorriu-lhe. Como ele ia ser feliz no estrangeiro!

 

Cá fora um negro bateu com o portão. Perto, na casa ao lado, o rádio atirava para o ar Al Martino e a sua voz de ouro...

 

"Here in my heart..."

 

Ele sumiu-se na sombra e ela ficou olhando a escuridão dos passos dele."

 

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