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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

17.07.15

Carlos Selvagem - Tropa d'Africa


blogdaruanove

 

Carlos Selvagem (pseudónimo de Carlos Tavares de Andrade Afonso dos Santos, 1890-1973), Tropa d'Africa (1919).

 

Do capítulo IX, Fatima M'namuka, transcrevem-se os parágrafos iniciais:

 

"Entretanto, vai-se fazendo pela vida...

 

E a primeira palavra suahely que o portuguesinho valente, apenas desembarcado, se apressa a reter e manejar com uso imoderado, é m'namuka, rapariga.

 

São os moleques quem no-las revelam, com suas graças e encantos bárbaros, estas flexuosas e altas raparigas duma elegância de linhas, de fórmas e de gestos que fariam esverdear de inveja e desespêro muita vaidosa patrícia minha dos chãos elegantes do «Bénard» e da Equipagem do Santo Humberto.

 

Péles de ébano macias e tenras, a linha delgada da cintura descaindo graciosamente sôbre o polido contôrno dos quadris, muito esbeltas, bem lançadas, a garganta delgada, o colo alto, há nestas escuras Vénus calipígias uma graça languida de sulâmitas, que só a odiosa carapinha e o focinho hediondo talhado grosseiramente a enxó, nos fazem considerar como animais inferiores, criados brutamente pela Natureza para o comércio bruto dos sentidos.

 

Como se lhes não bastasse ao monstruoso focinho a grossura inquietante da beiçarra e o esmagamento prognático das ventas, usam ainda, por acréscimo de beleza, por bizarria casquilha, uma rodela de marfim, de prata ou de madeira clara, encastoada na beiçana superior, em sinal de suprêma distinção. De perfil, a beiçola assim dilatada avança bestialmente em bico de pato, duma rijeza córnea, dando-lhes a conformação repelente dum focinho de pássaro absurdo – avestruz ou côrvo – num colo de escrava egípcia.

 

Conformámo-nos então com as figurações mitológicas da esfinge e da quiméra; – e de nenhum modo nos admiraria que, das profundezas do mato, nos começassem surdindo, para nosso pasmo, entes híbridos com troncos de leão ou touro, colos de avestruz, cabeças de hipopótamo, caudas de serpente."

 

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