22.03.16
Ruy Burity da Silva - Cantiga de Mama Zefa
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Ruy Burity da Silva (n. 1940), Cantiga de Mama Zefa (1969).
Nascido no Lobito, o autor estudou no Ambriz e posteriormente em Nova Lisboa (actual Huambo). Nesta cidade frequentou a Escola Industrial e Comercial de Sarmento Rodrigues, onde foi galardoado por um poemeto intitulado Natal, que ali foi depois declamado precisamente num recital natalício.
Em 1963 passou a integrar o Centro Juvenil de Estudos do Huambo, departamento dos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Nova Lisboa, que veio a promover a publicação de uma página quinzenal no jornal O Planalto, um programa semanal no Rádio Clube do Huambo e a criação de boletim interno destes serviços.
Em 1964 ganhou os Jogos Florais de Nova Lisboa, com o poema Marimba, tendo-se mudado para Lisboa em Dezembro, onde passou a trabalhar nos Serviços Culturais da Companhia de Diamantes de Angola. No ano seguinte reuniu a sua poesia, escrita entre 1955 e 1960, no livro Ochandala, assinado Ruy Silva e publicado em Nova Lisboa.
Posteriormente, veio a integrar a equipa que promoveu a exposição A Arte de um Povo de Angola – Quiocos da Lunda, que decorreu em 1966 na Casa do Infante, no Porto.
Para além de artigos dispersos nos jornais O Planalto, de Nova Lisboa, A Província de Angola, de Luanda, Jornal do Comércio, de Lisboa, e Alvorada, da Lourinhã, colaborou também no Boletim da Agência-Geral do Ultramar.
Em 1969 anunciava-se a publicação do seu volume de poemas Foi Assim..., que acabou por sair em 1971 com chancela da Sociedade de Expansão Cultural, e a preparação do volume ...Também Já Fomos Um, de que não foi possível encontrar qualquer registo.
É provável que a eventual fixação de residência do autor em França, ocorrida ainda antes do 25 de Abril de 1974, tenha motivado a não publicação deste último livro. Há notícia, que não foi possível confirmar, de que o autor terá regressado a Angola depois de 1974.
Ruy Burity da Silva utilizou ainda o pseudónimo Afonso Milando.
Do presente volume transcrevem-se dois poemas, Ndongo e Cantiga de Mama Zefa:
NDONGO
Dos vales e das montanhas. Dos mares e dos rios. Das florestas e savanas...
Lembranças de saudade.
Onde chingufos mil se elevam em uníssono com
o matraquear estonteante dos carros que passam.
Lavas de pranto incandescente se erguem das sonatas doloridas dos quissanges.
O silêncio.
O universo aberto em espaços infinitos onde saltam ridentes cores em simbiose.
Um dongo sulcando águas revoltas de rio escuro de cantares sombrios.
Música.
Caravanas cruzando estradas em passos arrastados de fadiga.
Música.
Até no choro profundo dos vivos em homenagem
derradeira aos mortos que partem há música.
Letras de alegria.
Letras de lágrimas ardentes.
Poesia estranha de estranho poeta que ninguém
conhece. Para lá dos seus poemas que existem, tudo é silêncio.
E indago:
Quem és tu estranho poeta que cantas os vales,
As montanhas, os mares, os rios, as florestas e savanas?...
Silêncio!
Cantas e teu povo canta também.
Vibras e vibram contigo almas estranhas
que guardam segredos fecundos de vidas passadas.
No anonimato em que persistes vives constante.
Pertenças ao presente, ou ao passado.
Morto, ou vivo.
Existes sempre presente no eco repetido dos teus
cantares e na sonata triste dos tocadores de quissanje.
CANTIGA DE MAMA ZEFA
Ainda me lembro dela
matrona forte desengonçada
tinha sempre uma oração nos olhos
uma canção nos lábios grossos
dorme menino dorme
oh! oh! oh! oh! oh!
cazumbi não está vir
mama Zefa tá lh'olhar
tinha ciúme do menino
de quem mama Zefa falava com paixão
um dia perguntei com ansiedade
se o menino seria assim como eu
mama Zefa olhou-me tristemente
e com lágrimas na voz cantou
– não fala assim meu menino
Deus não faz filho mulato
Veja-se um comentário a este livro, destinado a ser gravado em 12 de Novembro de 1969, para o programa literário da Emissora Nacional intitulado Horizonte, da responsabilidade de Amândio César e Mário António, e a transcrição de um outro poema do autor, aqui: http://museu.rtp.pt/app/uploads/dbEmissoraNacional/Lote%2041/00014007.pdf.
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