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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

19.05.16

A Mulher e a Sensibilidade Portuguesa (II)


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Capa de Gracinda Candeias (n. 1947).

 

A Mulher e a Sensibilidade Portuguesa (1970).

 

Antologia organizada por Ivone Maria Gabriel Pinheiro da Silva (datas desconhecidas) e publicada em Luanda, no ano de 1970 (embora o cólofon registe Julho de 1971), pelo Comissariado Provincial da Mocidade Portuguesa Feminina. Apresenta excertos de obras, ou transcrições integrais de poemas, dos seguintes autores:

 

Angola – Alda Lara, Amélia Veiga, Dala (Maria José Duarte Martins), Ernesto Lara Filho, Fausto José, Gracinda Candeias, Guilhermina de Azeredo, Jorge Macedo, José Candeias, Lena Alves do Carmo Castelo, Manuela Cerqueira, Maria Beatriz da Fonseca, Maria Teresa Andrade Santos, Mário António, Mário de Oliveira (surge também associado a São Tomé e Príncipe), Tomás Jorge, Tomás Vieira da Cruz.

 

Cabo Verde – António Aurélio Gonçalves, António Mendes Cardoso, Jorge Barbosa, Onésimo Silveira, Yolanda Morazzo.

 

Índia (Goa) – Vimala Devi.

 

Moçambique – Alberto de Lacerda, Cartaxo e Trindade, Merícia de Lemos, Papiniano Carlos, Salette Tavares.

 

São Tomé e Príncipe – Alda do Espírito Santo, Costa Alegre, Maria Manuela Margarido, Mário de Oliveira (surge também associado a Angola), Viana Almeida.

 

Timor – Fernando Sylvan.

 

Embora seja feita referência às suas províncias de origem na metrópole e não às províncias ultramarinas a que estavam ligados, ou onde se encontravam, surgem ainda nesta colectânea textos de outros autores associados à temática colonial, tais como Amândio César (Minho), António de Penacova (Beira Litoral), Augusto Casimiro (Minho), Cândido da Velha (Beira Litoral), Clementina Relvas (Trás-os-Montes e Alto Douro), Estela Brum (Açores), Hugo Rocha (Entre-Douro-e-Minho), J. Galvão Balsa (Ribatejo), Maria José Guerreiro Duarte (Estremadura), Maria de Lourdes Amorim (Estremadura), Maria Ondina [Braga] (Minho), Maria Teresa Galveias (Estremadura), Neves e Sousa (Douro Litoral), Reis Ventura (Trás-os-Montes), e Ruy Belo (Estremadura).

 

De Hugo Rocha (1907-1993), transcreve-se o poema Tonga:

 

Rapariga bronzeada

Moça formosa e núbil do Equador

Quem te deu, quem te deu tão linda cor,

Rapariga bronzeada?

 

"Tonga" de corpo airoso

Ninfa dos coqueirais de S. Tomé

Tanagra negra; baila o "socopé",

"Tonga" de corpo airoso!

 

Porque fitas o mar,

Nostálgica, ao sol-pôr, no "Espalmadouro"?

Quando o horizonte é pedraria e ouro,

Porque fitas o mar?

 

Nos teus olhos saudosos

Passam visões do negro continente...

De lá vieram teus pais. Há um brilho ardente

Nos teus olhos saudosos...

 

"Tonga" de S. Tomé,

Negra vestal entre o verdor do "Obó":

Se te vê triste, o coqueiral tem dó,

"Tonga" de S. Tomé...

 

O teu lenço de cor

Envolve-te a cabeça, qual turbante,

Dá-te um ar de mistério perturbante

o teu lenço de cor.

 

Quais bagos de café

São teus beiços vermelhos a sangrar.

Quem os há-de colher e há-de provar,

Quais bagos de café?

 

Rapariga bronzeada:

No verde paraíso da Ilha

Tu és a mais estranha maravilha

rapariga bronzeada...

 

© Blog da Rua Nove

02.05.16

Ferrão Cardoso - Terra, Sol e Aventura


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Ferrão Cardoso (Jorge Ferrão Cardoso, datas desconhecidas), Terra, Sol e Aventura (1956).

 

Antes desta obra, Ferrão Cardoso havia publicado, em 1948, numa edição de autor, o volume de contos intitulado Caravana, anunciando-se aqui em Terra, Sol e Aventura a futura publicação de crónicas de viagem, sob o título Aguarela Africana, e um romance intitulado A Grande Metrópole, títulos sobre os quais não foi encontrada notícia ulterior. 

 

Posteriormente, publicou ainda um conjunto de crónicas sob o título Gesta das Terras Distantes (1962), O Aprendiz de Poeta (2002), um livro de poesia, e um novo livro de crónicas, que eventualmente será uma versão revista e aumentada de Aguarela Africana, intitulado Aguarela Nómada (2010).

 

De ascendência transmontana, Ferrão Cardoso nasceu no Porto e viveu parte da sua infância em Angola, no Huambo, passando depois a viver em Lisboa. Fez os seus estudos universitários em Coimbra, onde se licenciou em Medicina, regressando posteriormente a Lisboa, onde exerceu a especialidade de otorrinolaringologia no Hospital de Santa Maria.

 

Este volume reúne 14 contos, entre os quais o último, As Digestões Calmas, evoca as suas memórias e origens transmontanas, através da acção localizada em Vidago e na serra da Padrela. De todas estas narrativas, apenas Estrada de Damasco, Rotina, "Amuna" e Caboclo apresentam claramente localizações espaciais exteriores a Portugal continental.

 

Do conto Rotina transcrevem-se os primeiros parágrafos:

 

"Separadas meia milha, as duas margens do rio eram fechadas, densas de vegetação. Havia algumas boias balizando o trajecto navegável e pontões espalhados dos dois lados, rio fora.

 

Entre eles, num vaivém constante, o vaporzinho "Flor do Minho" com uma reduzida tripulação de negros e o capitão João de Deus conhecido em todo o mato.

 

Quando havia paquete, o vaporzinho descia o rio até ao litoral e voltava mais garrido, carregado de notícias frescas da metrópole e novos colonos. Até ao entreposto funante, quatro dias de viagem rio acima, o capitão João de Deus tinha tempo de cumular os recém-chegados de todas as atenções possíveis, e, ao mesmo tempo, conhecê-los e aconselhá-los. Pelos conselhos não levava nada, e a conversa era um entretenimento.

 

A coisa era sempre igual. E quando, no regresso, o vaporzinho chegava ao povoado do interior, lá estava a voz roufenha do velho Dôres perguntando «Como está o litoral?», e ele sempre respondendo «Salgado, salgado...», antes de começar a contar as novidades.

 

Viera para África ganhar dinheiro, magoado e insatisfeito como pouco que a vida lhe dera até então, mas depois, com o tempo, toda essa excitção passou. O dinheiro deixou de interessá-lo duma maneira absorvente, e ficou fazendo parte da paisagem, vendo chegar os outros, à cata do velo de oiro, inquietos e aventureiros como ele outrora.

 

Ia buscá-los ao paquete, assustados com o mundo estranho com que sùbitamente deparavam, e subia com eles o rio até ao entreposto. Aí, as casas aviadoras espalhavam-nos pelo interior. Eram duras provações. Mas depois, se havia sorte, lá estava o regresso, o capitão e o seu «Flor do Minho» para os trazer ao mar, a apanhar o navio que vinha da costa oriental rumo à metrópole."  

 

Hoje, o cais do litoral já não era mais um paredão tosco, com madeira meio apodrecida, enterrada na água. Tudo agora era uma sólida estrutura de concreto e grandes imóveis com ruidos de máquinas de escrever, e camaradas de óculos e caneta na mão davam àquilo um aspecto de confusão e dificuldade. João de Deus e o seu vaporzinho tinham que satisfazer uma data de papelada cada vez que lá iam, mas havia ainda os bons amigalhaços, a cerveja no Coelho, linguareiro como dantes, e sempre se conseguiam uns momentos bem passados. Quando zarpava rio acima, o capitão nunca ia desiludido.

 

João de Deus envelheceu e engordou, os pais morreram, a Gracinda já não está solteira, nem nova, nem o espera, e a aldeia, o regresso e as terras do Floripes pegadas com o seu Ribeiral não têm mais o interesse de antigamente.

 

Dantes, quando o navio partia, doía-lhe vê-lo ir-se. Quando o seu vulto acabava por desaparecer lá longe, no horizonte, tudo lhe parecia mais solitário ainda, e sentia uma grande tristeza. Era quando mais recordava todas as coisas deixadas.

 

Mas agora, quando isso acontecia, estava normalmente a beber cerveja no Coelho ou ainda às voltas com a papelada nalgum daqueles gabinetes difíceis, e os apitos do barco, ao partir, nem sequer o distraíam. Desaparecido no mar, a paisagem ficava igual.

 

E quando, depois, à noite, subia o rio, entre as duas margens negras, com o céu tranquilo no alto, João de Deus sentia que tudo aquilo era o seu lar, o único lar que viria a ter na vida. Não havia mais dúvidas."

 

© Blog da Rua Nove