13.06.16
Eugénio Ferreira da Silva - Trovas Malditas
blogdaruanove
Capa de Montoya (datas desconhecidas).
Eugénio Ferreira da Silva (1917-), Trovas Malditas (1971).
Volume que não surge devidamente catalogado em alguns dos registos bibliográficos do autor, Trovas Malditas segue-se ao seu primeiro livro de poemas, Arco-Íris (1962), obra publicada por uma das instituições oficiais do regime – a Agência-Geral do Ultramar (http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/tag/ag%C3%AAncia-geral+do+ultramar).
Este novo livro, aparentemente em edição de autor, transcreve algumas das apreciações que haviam sido feitas a Arco-Íris, onde se pode ficar a saber que o autor havia nascido no Lobito e que era professor de desenho em Vila Franca de Xira.
Aqui se transcreve também uma crítica publicada no Jornal de Notícias, onde se declarava – "Eugénio Ferreira da Silva foi amigo de António Ferro. Neste seu livro [Arco-Íris] mostra-se incomodado com os acontecimentos na sua terra e toma partido por uma solução «lusíada» do conflito, para empregar a sua própria expressão." Apesar do que ali se afirma, uma leitura daquele volume de 1962 não permite uma conclusão inequívoca sobre o partido que o autor toma perante o conflito.
De facto, estas Trovas Malditas apresentam determinadas características que agitam essa problemática, nomeadamente através de algumas das dedicatórias que antecedem os poemas, como as dedicatórias a Jorge de Sena – "A Jorge de Sena / com admiração pelo homem esclarecido / e de profundas convicções literárias" e a Bento de Jesus Caraça – "Ao saudoso Prof. Dr. Bento de Jesus Caraça. / Ao homem extraordinário que muito contri- / buiu para a formação moral do jovem que o / admirava."
Este último poema e a sua dedicatória, aliás, motivaram uma nota do autor, que veio sublinhar tal ambiguidade – "Este soneto [o derradeiro da colectânea, intitulado... Revolta] foi escrito numa atmosfera de lutas político-sociais por volta dos anos 30 e nada tem que ver com o actual Governo o qual seja justo proclamar, se movimenta numa dinâmica segura a que estávamos pouco habituados."
Como acontecera no anterior volume, também este Trovas Malditas apresenta poucos poemas directamente relacionáveis com África. Apenas dois – Inconsciência e Tarde de Bruma, num total de noventa e quatro.
Transcrevem-se de seguida Psicose, o soneto dedicado a Jorge de Sena, e Inconsciência, que surge antecedido da dedicatória "Ao poeta Mário António / – meu patrício":
"Psicose
Músculo e cérebro – pólos antagónicos
Deste chiqueiro que me torna inerme...
Que grande é ver na época do verme
O fruto dos eflúvios histriónicos!...
Ver na gama profusa da paisagem
Confundirem-se uns outros novos seres!...
Ver um «Mercúrio» em conjunção com «Ceres»
Confundir-se no falso duma imagem!...
Mas que agradável esta barafunda,
Esta incoerência doida que me inunda
A própria alma de revolta e grito!...
Sinto os nervos a arderem-se partidos!
Sobre a paleta destes meus sentidos...
Tangendo ainda mais alto o meu conflito!..."
"Inconsciência
Agora,
Agora que tudo são balizas
Postas perigosamente nos direitos do homem...
Agora que no horizonte a curva continua frustrada...
E permanece o nojo às coisas rectilíneas...
Ódios e fumos de metralha!
Feitiçaria na arqui-volta do tempo...
E em torno da fogueira,
Chamam-se os espíritos maus e os lobisomens...
Sabém [sic] lá os negros o que é desumanidade!
Sabem lá os negros o que é ignomínia...
Sabem lá eles o que é ser canalha,
Sem que alguém lhes leve a provisão dum dicionário...
O Céu ao longe, meu Deus! Traz um arco-Íris [sic] sem motivo
E, aqui no terreiro, crianças brancas e negras
Brincam com um disco de Newton..."
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