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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

01.08.16

Alexandre Cabral - A Fula


blogdaruanove

 

Alexandre Cabral (pseudónimo de José dos Santos Cabral, 1917-1996),  A Fula (1963).

 

O presente volume apresenta dois contos – A Fula e Daba-Goma, inserindo ainda, no final, um glossário com vinte e três "termos indígenas". Estas duas narrativas haviam surgido já no livro Histórias do Zaire (1956; http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/5109.html), embora o conto A Fula apresentasse ali o título A "Fula" Lubamba Desapareceu.

 

No referido glossário, o autor apresenta para o vocábulo Fula a seguinte entrada – "Negra de pigmentação clara. Aparecem com mais fequência nas Kasais."

 

Entre 1956 e 1963, Alexandre Cabral publicou ainda uma peça de teatro, As Duas Faces (1959), um romance, Margem Norte (1961) e um prefácio, sobre o autor que mais viria a marcar a sua ensaística posterior, na obra As Polémicas de Camilo - I (1962).

 

Transcrevem-se de seguida alguns parágrafos do conto que dá título ao volume:

 

"Uma tarde, a fula procurou-o na loja. Tinham combinado na véspera um passeio pela margem do Zaire para recordar uma certa noite em que ambos se amaram pela primeira vez. A fatalidade quis que as coisas se passassem assim, a menos que a cabra andasse já com a ideia virada para a safadeza. O patrão estava ao balcão, como era seu costume. No mesmo instante em que avistou a negra, despediu o freguês e chamou-o à parte.

 

«Mankolo, quem é aquela?»

 

«É Lubamba, a minha mulher.»

 

«Anh! Anh!»

 

Mankolo envaideceu-se na altura com a excitação do branco. Lubamba era uma boa mulher, sim senhor, mas pertencia-lhe. Ao fechar da loja, o mundele voltou ao assunto, com um palavreado meloso de quem oculta uma intenção.

 

«Escuta aqui, Mankolo. Não tens uma irmã assim bonita como a Lubamba?»

 

Falava, e os olhos fosforejavam-lhe de cupidez, como quando entrava no armazém indígena jeitosa, nova na região, e ele se esforçava por atraí-la com o mel das promessas ao interior da residência.

 

«Conheço uma pequena que te serve, mundele

 

«Bonita como a tua Lubamba?»

 

«Mundele, boa de verdade!»

 

Levou-lhe a Margueritte no dia imediato, depois de estipular tim-tim por tim as condições do negócio: a espórtula seria dividida em duas partes, ficando ele com uma. Não haveria partilha dos bilokos; estes pertenceriam por inteiro à rapariga.

 

A Margueritte não encontrara na aldeia homem que a quisesse; há muito tempo que se dedicava ao tráfico do amor com os viajantes ocasionais que circulavam pelo rio. Vivia da prostituição. Mas era ainda uma mulher apetitosa. Mankolo não contava com a reacção do branco, que se escandalizou com a má qualidade do fruto que lhe levara. «Naturalmente esperava uma mwana

 

O tempo passou e ambos esqueceram o episódio. Lubamba deu em aparecer assìduamente pelo armazém. Todos os pretextos lhe serviam. A negra é cabra como a branca, quando a cabeça vira para o mal. Nem mesmo quando o patrão lhe ofereceu uma vistosa peça de pintado, Mankolo desconfiou de que estavam a desfeiteá-lo. Evidentemente, os dois andavam de combinação.

 

Nessa manhã o branco mandou-o para o beach («Deixa limpezas, há mais que fazer.»), com a recomendação de aguardar o paka-paka de Kinshasa, que trazia um carregamento de pólvora. Esperou inùtilmente até ao fim da tarde. Ele sabia que não estava na hora de passar barco, mas não estranhou, porque os brancos conhecem com antecipação os acontecimentos pelas mukandas que recebem.

 

Cão tinhoso! Não voltaria a fazer pouco dele, não! Paciência não lhe faltava. Estava habituado às horas de longa espera, no topo das árvores, enquanto a caça não se aproximava. Tinha, porém, a vingança tão certa, como o bicho morto de sede procurar o rio para se dessedentar."

 

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