17.01.19
José de Almeida Santos - Longe, Lá Longe...
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José de Almeida Santos (1922-1997), Longe, Lá Longe... (1962).
José de Almeida Santos publicou mais de duas dezenas de obras, destacando-se na sua bibliografia um conjunto de estudos sobre a história social de Luanda no século XIX.
Para além do volume agora apresentado, no âmbito da poesia e da ficção, publicou Seis Histórias Quiocas (1965) e Tábua de Esmeralda (1966), tendo ainda publicado, em co-autoria com Maria Lígia de Almeida Santos, o volume Aquele Velho Chapéu... ; Traição (1964), na colecção de livros de bolso da Imbondeiro.
Os poemas que nesta obra estão intimamente ligados à temática africana são, por ordem de publicação, Canção da Muana-Maria, História do branco Cauache e André Luembe está preso, os quais são acompanhados no final de cada um por uma lista de vocabulário que totaliza dezanove palavras.
Surge ainda o manifesto-poema Os tais «ventos da história», que se transcreve integralmente abaixo não só como um documento literário sobre a actualidade da sublevação nas colónias e a sua contextualização, mas também pelo seu anti-americanismo, pelo seu conceito de comunidade lusófona e miscigenização e por um certo paralelismo com as patrióticas manifestações literárias anti-Ultimatum de 1890.
Refira-se, como curiosidade, o último poema deste volume, intitulado O Mundo em que vivemos (Poema radiofónico - ruídos bélicos), pela evocação que, na quase totalidade do seus versos, faz das onomatopaicas obras futuristas e dadaístas.
Finalmente, note-se que não se deve confundir o poema que dá título a este volume com o poema Lá Longe, de Florêncio Neto de Carvalho (1924-1985), o qual está na origem do conhecido fado de Coimbra interpretado, entre outros, por António Almeida Santos (1926-2016).
"Os tais «ventos da história»
Os tais «ventos da História»
Não são uma invenção americana
Nada disso!
São sim a resultante
Da evolução natural da mente humana,
Verdadeiros,
Reais,
Soprando no sentido
Da Paz e da Concórdia universais.
Que o rico tio Sam,
Desbaratando os dólares às mãos cheias
Co'a sua bem montada propaganda,
Queira modificar o curso dos elementos
Para poder tirar
Mais chorudos proventos,
É uma coisa perfeitamente natural.
Mas tal não implica
Que os racismos, ódios e crueldades,
Fomentados p'los nórdicos dinheiros,
Não sejam episódios passageiros,
E que a fusão dos povos em blocos
(No sentido dos quais sopram os ventos)
Se não verifique, mais ano menos ano,
Mau grado o esforço
E os montes de armamentos
Do Estado americano.
Um dos futuros blocos naturais
(Bloco varonil
Firmado no interesse
E na cultura e entendimento humanos)
É o que ligará os povos do Brasil
Aos povos Lusitanos.
Da terra do chewing-gum, o mercador
Por certo, lutará, com todo o seu vigor
Contra a constituição dessa comunidade,
Pois teme do Brasil
A grande actividade fabril
Que o fará derrubar da forte posição
(Conquistada à custa de milhões
E falsa ajuda ao preto independente)
Donde enche de bugigangas e sabões
O negro continente.
E ele,
O inventor do Ku-Klux-Klan,
Da Lei de Lynch, da Reserva Pagã
(Onde, como animais encurralados
Vivem uma existência deletérica
Os nativos de côr da própria América)
Tem agora o afã,
Que é pura e mentirosa propaganda,
De mostrar ao negro primitivo
Ser muito seu amigo.
Mas, isso, irmão de côr, é tudo fantasia.
Irmão de côr :
Tu e eu que, juntos, fizemos o Brasil
(Esse Brasil moreno
Caldeado do teu sangue de negro
e do meu sangue de luso e agareno),
Tu e eu que, há muitos anos já,
Vamos juntos à escola
E juntos trabalhamos e jogamos a bola,
Tu negro português e eu branco português
Não vamos deixar que o terrorismo,
Descendo da fronteira
E pago com dinheiro americano,
Instile em nós o ódio racial.
Não!
Pensando em Portugal
E pensando no Brasil, ali em frente,
Tu negro português e eu branco português
Apertemos as mãos
Solenemente."
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