19.11.20
Poetas de S. Tomé e Príncipe (I)
blogdaruanove
Alfredo Margarido (1928-2010; prefácio e estudo crítico), Poetas de S. Tomé e Príncipe (1963).
Ilustração da capa de José Pádua (n. 1934).
Este volume foi publicado pela Casa dos Estudantes do Império (CEI) numa edição dactilografada e policopiada, no seu miolo, embora apresente uma capa impressa tipograficamente, a exemplo de outras edições anteriores.
A CEI foi fundada em 1944 e extinta em 1965, depois de o Estado Novo concluir que seria um foco de instabilidade e contestação à sua política colonial, acção que atingiu um ponto alto com a saída clandestina do país, em 1961, de cerca de cem estudantes, os quais vieram posteriormente a desempenhar relevante acção nos movimentos de libertação africanos.
A CEI publicava também um boletim intitulado Mensagem, promovendo ainda a edição de várias outras obras, como a anterior Antologia de Poetas Angolanos, lançada em 1962.
Para esta colectânea, Alfredo Margarido, autor da introdução crítica de teor literário, histórico e sociológico, selecionou poemas de (por ordem de indexação na obra) Caetano da Costa Alegre (1864-1890), Francisco José Tenreiro (1921-1963), Alda do Espírito Santo (1926-2010), António Alves Tomaz Medeiros (1931-2019), Maria Manuela Margarido (1925-2007), Marcelo da Veiga (1892-1976) e Francisco Stockler (1834-1881).
Discorrendo sobre a obra de Francisco José Tenreiro na sua introdução, Alfredo Margarido salienta as díspares influências que ecoam na sua poesia, bem como o pioneirismo da sua abordagem poética:
"O conjunto de poemas de Francisco José Tenreiro insere-se na linha de negritude que, a partir de 1935, vinha sendo propugnada, no campo particular da poesia negra e malgache de expressão francesa, por Leopold Sedar Senghor e Aimé Cesaire. Mas, a [sic] lição destes dois poetas, soma-se, em Tenreiro, a presença dos poetas norte-americanos, como Countee Cullen e Langston Hugues [sic] e ainda a do cubano Nicolás Guillén. É meditando na lição destes poetas que Francisco José Tenreiro pode dar início, em língua portuguesa, a um movimento poético de negritude, onde o sentido social é a primeira e fundamental coordenada."
Francisco José Tenreiro publicara a sua primeira obra literária, Ilha de Nome Santo (1942), no âmbito da colecção coimbrã Novo Cancioneiro. Nesse mesmo ano publicou também, em co-autoria com Carlos Alberto Lança (datas desconhecidas), a colectânea Contos e Poemas.
Seguiram-se-lhes a colectânea Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953), agora em co-autoria com Mário Pinto de Andrade (1928-1990) e, numa reedição posterior (1982), com prefácio de Manuel Ferreira (1917-1992), Coração em África (1964) e o volume póstumo Obra Poética de Francisco José Tenreiro (1967).
Deste autor transcreve-se o poema Canção do Mestiço:
"Mestiço!
Nasci do negro e do branco
e quem olhar para mim
é como quem olhasse
para um tabuleiro de xadrez:
a vista passando depressa
fica baralhando cor
no olho alumbrado de quem vê.
Mestiço!
E tenho no peito uma alma grande
uma alma feita de adição
como 1 e 1 são 2.
Foi por isso que um dia
o branco cheio de raiva
contou os dedos das mãos
fez uma tabuada e falou grosso
mestiço!
a tua conta está errada.
Teu lugar é ao pé do negro.
Ah!
Mas eu não me danei...
E muito calminho
arrepanhei o meu cabelo para trás
fiz saltar fumo do meu cigarro
cantei do alto
a minha gargalhada livre
que encheu o branco de calor!...
Mestiço!
Qaundo amo a branca
sou branco...
Quando amo a negra
sou negro..."
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