07.11.23
Revista Cultura (II)
blogdaruanove
O número 28 desta revista apresenta o conto Destino de Bia Rosa, de Onésimo Silveira (1935-2021).
Natural de S. Vicente, onde concluíu os estudos liceais, estudou depois em Portugal, onde frequentou a Casa dos Estudantes do Império. Na última metade da década de 1950, após haver regressado temporariamente a Cabo Verde, passa a viver durante alguns anos em São Tomé e Príncipe, onde convive com Alda do Espírito Santo (1926-2010), fixando-se depois, a partir de 1959, em Angola.
Posteriormente passou algum tempo na China, estudando em seguida, ainda durante a década de 1960, na Universidade de Uppsala, na Suécia, instituição onde se veio a doutorar, em 1976.
Depois de, nessa década, trabalhar algum tempo na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, Onésimo Silveira tornou-se o primeiro presidente eleito da Câmara Municipal do Mindelo, vindo depois a ser embaixador de Cabo Verde em Portugal.
Nas áreas do conto e da poesia publicou Toda a gente fala: Sim, senhor (1960), Hora Grande; Poesia Caboverdiana (1962), A Saga das As-Secas e das Graças de Nossenhor (1991) e Poemas do Tempo de Trevas, Saga, Hora Grande (2008). Em 1960, o número 9 da Colecção Imbondeiro, que apresentou a primeira obra acima referida, anunciava ainda a futura publicação de uma colectânea de contos intitulada Maré Cheia, de que não foi possível encontrar registo de edição.
Do conto Destino de Bia Rosa transcreve-se um excerto, corrigindo já as diversas gralhas apresentadas na revista mas mantendo a grafia da época:
"O sol a pique tudo abrasava. O barulho ensurdecedor da fábrica de óleo de palma era uma nota fastidiosa no meio da calmaria.
Nas senzalas os que conseguiram findar a sua tarefa estendiam-se à sombra para se recomporem; outros limpavam e arrumavam os seus tarecos porque no dia seguinte – domingo – chegavam serviçais caboverdianos.
Chegou a tarde e, depois, a noite que envolveu em densa escuridão a roça inteira. Tão sòmente as lâmpadas espalhadas em redor da casa do patrão quebravam, com a sua luz amarelada, a monotonia que invadira as senzalas.
Domingo.
Nove horas e já todos os serviçais se acham em casa. Preparam com mais cuidado o almoço e as raparigas vestem os seus vestidinhos melhores.
O ronco de um motor alvoroçou os caboverdianos, após período de longo e desacostumado silêncio. Era a camioneta da roça que assomava lá ao cimo da encosta que dá para o terreiro. As pessoas que vinham nela, tontas de calor não davam sinal de vida...
Chegou enfim!
Mantenhas, encomendinhas, abraços, choros, novidades! De todos os lados chovem perguntas.
– Trouxemos dois violões, um cavaquinho e um banjo – respondeu Lela Canhota a pergunta de Pedrim.
– E grogue? – indagou Pedrim novamente.
– Grogue! O que os safados dos guardas não nos tomaram em Fernão Dias está connosco.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Nunca a roça vivera momentos de tanta euforia! Os serviçais pediam mornas. – «Mornas novas»! – gritavam – mornas de B. Léza!
À tristeza do anoitecer dos dias anteriores sucedeu uma série de canções dolentes que tanto diziam aos seus executantes – que lhes restituiam parte da alma deixada na terra natal!
Pedrim convidou a primeira dama a jeito e, com alguns cálices de grogue já enfiados, desatou a mornar, a mornar..."
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