06.01.24
Revista Cultura (III)
blogdaruanove
O número 15 desta revista apresenta um conto de Francisco Mascarenhas (Francisco Xavier St. Aubyn Mascarenhas, 1928-2016), intitulado Arrependimento, que, tal como a maioria da literatura cabo-verdiana ali divulgada, já havia sido publicado anteriormente na revista Cabo Verde, um "Boletim de Propaganda e Informação" do regime, editado entre 1949 e 1964.
Francisco Mascarenhas nasceu no Mindelo, onde frequentou e concluíu os estudos liceais. Licenciou-se depois no Instituto Superior dos Estudos Ultramarinos, em Lisboa, começando a trabalhar como funcionário aduaneiro a partir de 1951.
Embora seja autor de obra literária pouco extensa, escreveu ainda para a revista Claridade e para o jornal O Arquipélago, colaborando também com a Rádio Barlavento, do Mindelo, a partir de 1955. Neste mesmo ano surgiu colaboração sua nos números 71 e 72, de Agosto e Setembro, do boletim Cabo Verde, com os textos intitulados Contrabando e As Nossas Ilhas: Uma Aguarela.
Do conto Arrependimento transcreve-se um parágrafo:
"A culpada de tudo tinha sido a Nuninha. Sim, só ela e mais ninguém. Por causa das suas coisas é que ele estava naquela situação, triste e abandonado. Nha Guida dizia-lhe sempre que deixasse aquela tentação da Nuninha, que apenas queria explorá-lo. Todos diziam à boca cheia, que aquela menina não gostava nem dele nem de ninguém neste mundo. Ela o que procurava era a satisfação dos seus caprichos. Com efeito, nha Guida via as coisas de longe. Tinha sempre pressentimentos. Ela tinha razão. Nuninha nunca se preocupou com emprego. Desprezava lugares de servir. De resto, não sabia fazer nada. Nem cozinhar, nem lavar, nem engomar. Viveu sempre «em pé». Mas andava sempre perfumada, pintada, de nylon e de crepe, de sapatos de camurça, jóias nas orelhas, no pescoço e no pulso. Ela já tinha namorado meio mundo e desgraçado muitos rapazes novos. O seu amor era egoísta, frívolo, passageiro. Dava a vida para a folia, para bailes, cinema e fumo. Chalino sentia-se infantilmente embeiçado por ela. Todos o aconselharam repetidas vezes a pô-la de parte. Por isso zangou-se com os melhores amigos e esteve indiferente com a própria nha Guida e gente de família, que diàriamente lhe pediam que deixasse aquela menina que só servia para o arreliar, tirar-lhe todo o dinheirinho e sossego. Quase tudo quanto ganhava na baía, debaixo de sol, de suor e descomposturas, ia parar às mãos vesperinhas de Nuninha, que, nem por isso, lha agradecia e deixava de dar as suas voltas duvidosas."
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