25.04.24
Kitatu Mu'Lungo
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Kitatu Mu'Lungo (1974).
Até esta data, David Mestre (n. 1948) publicara o livro de poesia Crónica do Ghetto (1973), sendo também coordenador e editor dos cadernos de poesia Bantu e Kuzuela, João Carneiro (n. 1947) publicara o livro de poesia Dezanove Recontos (1968) e Maria Ângela Pires (n. 1944) havia publicado Poemas (1968), em edição de autora.
Opúsculo singular de vozes singulares do período decorrido entre a Revolução de 25 de Abril de 1974 e a independência de Angola, declarada a 11 de Novembro de 1975, congrega, ao longo das suas 56 páginas, textos onde, por entre a opressão, a esperança cintila nas palavras de David Mestre – "Porém / um dia pedir-te-ei gajajas e goiabas e fa- / remos um almoço de frutos que te hão-de es- / corregar do vestido e crescer-me nos pés / e cheios de alegria e liberdade abriremos / uma estrada / plantaremos uma árvore / não escreveremos um livro / mas faremos uma nação.", um desencanto anárquico e irónico perpassa pelo escatológico, sexualizado e quase violento registo de João Carneiro e uma inquieta incerteza toma voz na cidade de Maria Ângela Pires.
De David Mestre transcreve-se um excerto do primeiro texto de O pulmão (narrativa autogeográfica), datado de Catete, Outubro de 1971 / Luanda, Março de 1972:
"Que posso fazer por ti?
estas as palavras frequentes que digo es-
tirado na cela ao pôr da noite em África
latitude pequena para o teu grande rosto
e acho que o mais que posso fazer é um
pedido ao cabo
pergunta-lhe se podes vir
ele recomendar-te-á ao sargento e dei-
xar-te-ão visitar-me estirado na cela cheio de
mim a pensar no Congo ou ainda ou já no
Congo
o meu corpo aguardar-te-á mas lembra-te
não sou eu porque eu abri um buraco no tacto [sic]
anteontem por onde saí
era preciso respirar assim levei o pul-
mão real este é de plástico
não fales senão talvez ouçam o meu silên-
cio e te façam perguntas sobre a minha deser-
ção de mim
(...)"
De João Carneiro transcreve-se um dos Três Anti-Autos, datados de Luanda, Setembro de 1974:
"DO INFERNO
marimbo-me nas certezas fálicas do teu corpo amorfo inerte nem estás morta porque nunca soubeste ressuscitar e esta merda será talvez uma terra um país um povo e mijaremos felizes sobre as massas"
De Maria Ângela Pires transcreve-se o segundo dos Sete Poemas para a Cidade em Agosto, datados de Luanda, Agosto de 1974:
"Povoada de tiros
os olhos abertos
longamente acesos
por séculos de memória
Agora a revolta
nos punhos secos das mulheres
nas pernas magras nervosas
das crianças
a raiva
nos dentes dos homens
o grito de alívio
a saber a morte"
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