10.08.24
Revista Cultura (IV)
blogdaruanove
O número 41 desta revista apresenta um conto de Onésimo Silveira (1935-2021), Superstição, e um poema de Ovídio Martins (1928-1999).
Uma vez que o conto Destino de Bia Rosa, de Onésimo Silveira, publicado no número 28 da revista Cultura, já foi aqui mencionado, reproduz-se hoje o poema de Ovídio Martins, cuja nota biográfica ficou registada em artigo anterior.
Intitulado Os Homens e a Montanha, o poema traduz todo o sofrimento e desespero dos trabalhadores rurais de Cabo Verde num registo de insistente monotonia, claramente associável ao movimento neorealista.
OS HOMENS E A MONTANHA
Os homens
cavaram sulcos na montanha
olharam o céu sem esperança
e esperaram o dia de amanhã.
Mas o dia de amanhã não trouxe novidade.
Então os homens
foram à montanha
e cavaram mais sulcos
e esperaram o outro dia de amanhã.
Mas o outro dia de amanhã não trouxe novidade.
E os homens cavaram
cavaram com raiva
sem dizer palavra
até as mãos sangrarem
mas todos sabiam que esperavam o terceiro dia de amanhã.
Mas o terceiro dia de amanhã não trouxe novidade.
Já os homens
não esperavam o quarto dia de amanhã?
Sim!
Curvados sobre a terra
cavam, cavam sempre
e continuarão a cavar
até que o seu dia de amanhã
chegue de certeza
num dia preparado
ao cimo da montanha.
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