13.02.25
Ernesto Lara Filho - Seripipi na Gaiola
blogdaruanove
Ernesto Lara Filho (1932-1977), Seripipi na Gaiola (1970).
Até esta data, o autor havia publicado dois "cadernos de poesia" intitulados Picada de Marimbondo (1961; esgotado) e O canto de Matrindinde (1963; retirado de circulação), afirmando a propósito da publicação deste terceiro caderno que é o volume "com que pensa encerrar a sua primeira trilogia de poesia".
Também a propósito dos títulos das sua obras declarou Ernesto Lara Filho – "A angolanidade implícita e explícita da minha poesia pode divisar-se até nos títulos dos três livros publicados e já não pode ser discutida. / É hoje uma afirmação e vem de longe, desde que em 1959 fui incluído na primeira Antologia de poesia angolana editada em Lisboa pela Casa dos Estudantes do Império."
De facto, o poeta, que veio a falecer num acidente de viação, acabou por não publicar mais nenhum livro de poesia, estando a sua obra compilada em diversas antologias, como Antologia de Poesia Angolana (1959), Poetas Angolanos (1962), O Corpo da Pátria - Antologia Poética da Guerra do Ultramar, 1961-1971 (1971), Poesia Angolana de Revolta (1975), Antologia da Poesia Pré-Angolana (1976), No Reino de Caliban. Antologia Panorâmica da Poesia Africana de Expressão Portuguesa (1976).
Ernesto Lara, como se assinala na badana deste volume, foi redactor do "ABC" de Luanda, colaborando ainda, através de crónicas e reportagens, com outras publicações como ABC - Diário de Angola, O Comércio, Diário de Luanda e Notícia. Para além de poeta, era reconhecido como notável cronista, tendo algumas das suas crónicas sido reunidas no volume póstumo Crónicas da Roda Gigante (1990).
Ernesto Lara Filho, angolano, boémio, irmão da poetisa Alda Lara, jornalista, poeta contestário até ao fim da sua vida, preso político e regente agrícola (Coimbra, 1952), é, obviamente, o autor da letra da célebre canção Seripipi de Benguela, musicada em 1980 por Carlos Mendes (n. 1947), que abaixo se reproduz.
Pelo que estas indiciam da sua biografia, transcrevem-se na íntegra as três dedicatórias que antecedem três epígrafes e uma nota de introdução à obra– "Para a Maria do Céu / Aos boémios que comigo patrulharam as noites de Luanda – estrelas algumas já mortas das rondas dessas madrugadas. / Aos pintores Roberto Silva, Mário de Araújo, Alípio Brandão, Albano Neves e Sousa e Albano Neves e Sousa (Filho)."
Por ordem de apresentação no volume, transcrevem-se de seguida quatro poemas do autor:
"SERIPIPI DE BENGUELA [Publicado no "ABC", Luanda, 1961]
Eh! Seripipi de Benguela
escuta aquela canção.
Parece pardal de Luanda
cantando na escuridão.
Levanta voo, seripipi
do galho desta prisão.
Leva no bico uma esperança
ao ninho do teu irmão.
O CANTO DA LIBERDADE [Paris, Agosto de 1962]
Eh passarada bravia
seripipi fugiu da gaiola
Ouve-se vibrante no mato
o canto da libertação
Esperança passarada
no seripipi vosso irmão
Ele vai voltar p'ra quebrar
as grades dessa prisão.
NA NOITE DOS CAZUMBIS [Roçadas, Maio de 1967]
As cubatas de Himane arderam ontem
foi a grande queimada que Calupéte atiçou
no capim velho
amanhã nascerá das cinzas o capim novo
com que apascentaremos o gado.
Himane reconstruirá o seu quibolo
na encosta da montanha de Sámuei
bem longe da estrada
perto das sombras grandes da floresta
lá onde passam regatos tranquilos
os passarinhos cantam
e a madeira e os frutos silvestres abundam.
N'Dove canta debruçada sobre a lavra
os seiso pendem-lhe flácidos sobre a terra estrumada
pelo seu suor
o filho chora junto da cabça de milho
a terra está molhada das primeiras chuvas
o milho está pronto para cair nas lavras
que N'Dove preparou.
Este ano vais ser um ano de grande para o Povo N'Dumbe.
Na Vila
o senhor Administrador já está a cobrar os impostos
já mandou o cipaio Tembo avisar os sobas
Gunga foi no contrato
foi para as fazendas de sisal da ganda
os filhos ficaram com a irmã mais velha
os bois foram vendidos e a lavra abandonada.
Amanhã
Himane recomeçará a cosntruir as cubatas incendiadas
isto se não for para a cidade
ser servente de pedreiro
lá nessa cidade onde se constroiem [sic] as casas de cinzento armado
a tocar as nuvens do céu
lá nessa cidade de que falou o primo N'Zimbi
lá onde as luzes apagam as escuridões
povoadas de cazumbis
lá onde as queimadas não aparecem
alterando os ciclos e as estações.
HUMORISMO [Sá da Bandeira, Outubro de 1967]
Tenho trinta e sete anos.
Já conheci a prisão
o exílio e o hospital...
Como atraso de vida
não está mal, nada mal..."
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