Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

07.07.21

António Mendes Correia - Contos e Novelas Angolanos


blogdaruanove

 

António Mendes Correia (1906-1982), Contos e Novelas Angolanos (1955).

 

Este livro apresenta sete contos e novelas – Um Caso de Consciência, A Nossa Terra é o «Huambo», Sonho Realizado, A Vingança da Morta, Um Fantástico Quissange, Condenados de Angola e Os Últimos Abencerragens.

 

Uma anotação à página de título de A Nossa Terra é o «Huambo» refere que este texto foi galardoado com o segundo prémio do Concurso Literário promovido pelo Município de Nova Lisboa, no ano de 1950, e uma anotação à página de título de Sonho Realizado refere que o texto foi galardoado com o primeiro prémio do Concurso Literário promovido pela Associação dos Naturais de Angola, no ano de 1951.

 

O volume abre com umas "Palavras Prévias" do autor que, ao longo de cinco páginas, discorre sobre a distinção entre conto, novela e romance, citando de permeio, e a esse propósito, a autoridade do escritor inglês E. M. Forster (1879-1970) e do crítico e teórico literário alemão Wolfgang Kayser [grafado Keyser, no texto) (1906-1960).

 

As sete narrativas, quiçá involuntariamente, não deixam de oscilar entre uma visão colonial etnocêntrica e uma visão paternalista ou crítica dos costumes gentílicos. Os conceitos subjacentes aos diversos enredos sofrem, por vezes, algum desequilíbrio na transposição para as formas narrativas adoptadas, dando talvez razão ao que o autor já anotara nas suas palavras prévias – "Mas... de almas cheias de boas intenções está o Inferno cheio. E será esse, certamente, o destino da do autor destes «Contos e Novelas», porque vai grande distância entre o saber, teòricamente [sic], como as coisas se fazem, e fazê-las, na realidade."

 

A Biblioteca Nacional de Portugal regista uma reedição desta obra, ocorrida no ano 2000, como sendo a primeira edição da mesma, não apresentando registo para este volume de 1955 da Coimbra Editora.

 

Do conto Os Últimos Abencerragens transcrevem-se alguns parágrafos:

 

"Perante este espectáculo inesperado, Cavango ficou paralizado. De pé, ao lado da velha escrava, observava-lhe o ritmo lento da respiração, ao mesmo tempo que cofiava, apreensivo, a barbicha já grisalha. Depois de uns momentos de hesitação, debruçou-se sobre ela, tirou da bainha de madeira um longo punhal que nunca o abandonava e cortou com ele uma tira de couro de gazela, com a qual lhe envolveu o braço e estancou o sangue. Agachando-se em seguida, transpôs a baixa e estreita porta da cubata e foi buscar à sua residência uma cabaça de «marufo». À força, introduziu, entre os dentes cerrados da velha escrava, o gargalo da cabaça, fazendo-lhe ingerir alguns goles da «marufo». Depois, acocorado ao lado dela aguardou a reacção provocada pelo líquido. Alguns minutos depois, a velha, virou lentamente a cabeça para a direita e descerrou um pouco as pálpebras. Os seus olhos mortiços de cão humilde, negros e liquefeitos, fitaram Cavango docemente, articulando num cicio, num sopro quase imperceptível:

 

– Num mata meu neta... o teu filho tá agora na barriga dela... porque nunca pôde estar no meu barriga...

 

Deixou cair de novo as pálpebras. E alguns minutos depois, pendeu-lhe a cabeça mais para a direita ainda, e numa inspiração profunda soltou o último suspiro.

 

Cavango manteve ainda, durante algum tempo a neta da escrava mucuísse. E quando, ao fim de nove meses, deu à luz um rapaz cheio de vida, a que Cavango  quis pôr o nome de Kilela, fez desaparecer a mãe.

 

Dizia-se na tribo, muito em segredo, que fora vendida aos mutchilengues; mas outros afirmavam convictos que tinha sido enterrada viva."

 

© Blog da Rua Nove

 

 

21.06.19

Augusto Casimiro - Portugal Atlântico


blogdaruanove

Augusto Casimiro (1889-1967), Portugal Atlântico (1955).

 

Compilação de vários poemas datados de diferentes anos – 1914 (Acampamento – Noite, O Zambeze e um Mapa, Fogueira de África), 1924 (Horas Africanas, Oração da Noite Africana), 1944 (Colono), este volume foi distinguido com o Prémio Camilo Pessanha em 1954.

 

Inspirados por todos os territórios coloniais banhados pelo Atlântico, como o nome sugere, predominam, contudo, nestes poemas, referências a Cabo Verde, particularmente às ilhas Brava e Santo Antão, e a Angola.

 

Não deixa de ser interessante o facto de parecerem perpassar, em algumas destas composições poéticas, conceitos também presentes na Mensagem (1934), de Fernando Pessoa (1888-1935), impressão que, do mesmo modo e do ponto de vista estrutural, tende a ser suscitada no início do volume.

 

Com efeito, as primeiras poesias integradas na secção Pela Batalha ao Restelo apresentam títulos sugestivos dessas evocações – Portugal, A Canção do Novo Restelo, Sinfonia do Mar Alto, Hora do Ponto.

 

Curiosamente, para sublinhar toda estas ténues evocações, até a própria expressão "É a hora!", patente no poema Nevoeiro (1928), de Pessoa, surge no poema Oração da Noite Africana, alegadamente datado de 1924, embora num contexto completamente diferente.

 

Um ponto distinto nesta estruturação, no entanto, é a secção intitulada Canto ao Brasil no Mar, que apresenta três poemas dedicados a esta temática.

 

Desta obra, transcrevem-se, de seguida, o poema Fala Crioula e o soneto Prece, inspirados, respectivamente, por Cabo Verde e Angola:

 

 

FALA CRIOULA

 

"Esta fala é sempre nossa.

Fala crioula?... Afinal,

Para alma que bem a ouça,

É fala de Portugal!

 

É uma fala de menina,

Andou ao colo, amimou-se,

Ficou sempre pequenina,

E, de preguiça, mais doce.

 

Ouço-a agora, embala, arrola...

Sabe a amor, sabe a tristeza...

Na voz da gente crioula

Oiço a alma portuguesa...

 

E, às vezes, com mais doçura...

Algumas palavras têm

Mais humildade e altura,

Mais gosto da terra e além...

 

Morabêsa... amor e beijo

Que se não dá, que se fala,

Em que há gosto de desejo

E o aroma que o cravo exala...

 

O que é doce à alma e ao gosto

É sabi... sabe a carinho...

Saber não contém desgosto...

O que é mais sabi... é sabinho.

 

Grandeza... Entre nós humilha

Se não é Deus. Grandeza

Aqui, nas almas da Ilha,

É alegria, é morabeza...

 

Contente... quem diz contente

Entre nós diz alegria,

Mas na boca desta gente

Só quer dizer: simpatia...

 

A fala crioula é nossa

Trouxe-a ao colo Portugal..."

 

 

PRECE

 

"Terra de Angola, Mãe da Primavera:

– Só de te descobrir logo o tocou,

Ao primeiro que veio e te encontrou,

Do teu bárbaro encanto a lei severa.

 

Estás, sempre e sem fim, à nossa espera.

Por ti sofremos. Contra ti pecou

A nossa Alma e a tua nos perdoou.

– Quem amar-te não soubesse te perdera...

 

Desejada e rendida te violámos

E ficamos escravos, de ti... Esta hora

É a doutro encontro, como dois irmãos,

 

Na terra em que sonhamos e lavramos,

À luz igual duma fraterna aurora, 

Um destino mais alto, dando as mãos."

 

© Blog da Rua Nove