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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

08.12.21

Modernos Poetas Cabo-Verdianos (I)


blogdaruanove

 

Jaime de Figueiredo (1905-1974; selecção e apresentação), Modernos Poetas Cabo-Verdianos (1961).

 

Bibliotecário conservador da Biblioteca Municipal da Praia, na ilha de Santiago, para além de artista plástico, crítico, dramaturgo e ensaísta, Jaime de Figueiredo organizou esta antologia, considerada como a primeira da poesia cabo-verdiana.

 

Na introdução a esta colectânea, que reproduz alguma da produção poética de vinte autores, Jaime de Figueiredo estabelece três períodos para a poesia cabo-verdiana do século XX – o primeiro associado à geração da revista Claridade (1936), com autores nascidos entre 1902 e 1907, o segundo associado à geração da folha de letras Certeza (1944), com autores nascidos entre 1915 e 1920, e o último associado ao Suplemento Cultural (1958) e às publicações suas contemporâneas, com autores nascidos depois de 1925.

 

O critério seguido neste artigo, para a reprodução prioritária de algumas das poesias deste volume, prende-se apenas com a decisão de divulgar em primeiro lugar a obra de poetas ainda não referidos neste espaço, ficando a obra dos restantes para publicação posterior.

 

Assim, reproduzem-se agora dois poemas, o primeiro, Momento, de Jorge Barbosa (1902-1971), o segundo, Liberdade, de Pedro Corsino Azevedo (1905-1942), respeitando a cronologia de nascimento dos autores.

 

MOMENTO

 

Quem aqui não sentiu

esta nossa

fininha melancolia?

 

Não a do tédio

desesperante e doentia.

Não a nostálgica 

nem a cismadora.

 

Esta nossa

fininha melancolia

que vem não sei de onde.

Um pouco talvez 

das horas solitárias

passando sobre a ilha

ou da música 

do mar defronte

entoando

uma canção rumorosa

musicada com os ecos do mundo. 

 

Quem aqui não sentiu

esta nossa

fininha melancolia?

a que suspende inesperadamente

um riso começado

e deixa um travor de repente

no meio da nossa alegria

dentro do nosso coração,

a que traz à nossa conversa

qualquer palavra triste sem motivo?

 

Melancolia que não existe quase

porque é um instante apenas

um momento qualquer.

 

LIBERDADE

 

Olho-me a rir

espantado de me não conhecer.

 

Menino traquinas

que caiu no poço

e envelheceu lá dentro

não posso conceber

o que vêem as meninas

dos meus olhos

depois que sou livre.

 

Abrolhos são flores,

amores, vida.

O que é a magia da sombra!...

 

Agora já posso gritar:

Livre! Livre!

 

Tapei o poço da morte, a cantar.

 

© Blog da Rua Nove

27.02.14

Revista Atlântico (I)


blogdaruanove

Capa do número 4, Nova Série, de 1947.

 

Mantendo a tradição iniciada a partir do seu primeiro número, que havia sido lançado em 1941 e divulgara, sob o título O Sr. Euclides Varanda, um excerto de Chiquinho, romance de Baltasar Lopes (1907-1989) que haveria de vir a ser publicado em 1947, este número 4 da nova série da revista apresenta colaboração de mais um autor africano.

 

Sob o título Poemas Caboverdianos, publicam-se aqui dois poemas de Manuel Lopes (1907-2005) – Pescadores de Santo Antão, dedicado ao compatriota e "claridoso" companheiro Manuel Velosa (1901-1956), e Terra, dedicado ao escritor e diplomata brasileiro Ribeiro Couto (1898-1963; cf. http://blogdaruaonze.blogs.sapo.pt/200643.html).

 

Colaborador do movimento literário Claridade desde a primeira hora, mas consagrado essencialmente como prosador, Manuel Lopes (http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/tag/manuel+lopes) apresenta-nos aqui dois poemas que antecedem temáticas posteriormente desenvolvidas nos seus contos e romances.

 

Essas temáticas aproximam-se dos princípios que estiveram na base daquilo que, na literatura portuguesa, se denominou como movimento neo-realista.

 

Transcreve-se de seguida, integralmente, o poema Terra:

 

"Endireitou o busto suado.

O sol traçou a sua sombra esguia

na terra remexida.

 

Pensou no mar enorme,

nas velas perdidas sobre a vasta monotonia

do mar enorme,

nos temporais e nos naufrágios,

nas vidas perdidas dos marinheiros,

nas lutas inúteis,

na escuridão sem fé do homem nos portos estrangeiros.

 

Limpou da fronte o suor,

no gesto simbólico de quem faz o sinal da cruz.

– O suor que cai na terra maternal,

leva o milagre fecundante do amor –.

 

Olhou ao redor,

viu as montanhas altas e tranquilas,

o céu azul,

– sobre o vale pairava um vasto silêncio.

E sentiu-se protegido e abençoado,

seguro e livre na sua doce escravidão antiga.

 

– O sol desenhou uma sombra no dorso nu, curvado,

e uma enxada cavando, cavando na mãe-terra amiga..."

 

© Blog da Rua Nove