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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

01.09.24

Obra Poética de Francisco José Tenreiro


blogdaruanove

 

Francisco José Tenreiro (1921-1963) et al., Obra Poética de Francisco José Tenreiro (1967).

 

Esta compilação póstuma da poesia do autor apresenta a seguinte nota prévia – " VISA A PRESENTE EDIÇÃO DAR MAIS DURADOURA EXPRESSÃO À HOMENAGEM AO PROF. E POETA FRANCISCO JOSÉ VASQUES TENREIRO, PROMOVIDA EM SEIS DE MAIO DE MIL NOVECENTOS E SESSENTA E SEIS PELA ASSOCIAÇÃO DOS ANTIGOS ALUNOS DO INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICA ULTRAMARINA, EM SESSÃO PÚBLICA A QUE DEU A HONRA DE PRESIDIR O DIRECTOR DO INSTITUTO, PROFESSOR DOUTOR ADRIANO MOREIRA. NESTA EDIÇÃO SE ARQUIVAM, POIS, OS DOCUMENTOS NESSA SESSÃO, ANTECEDENDO A  OBRA QUE NESSA MESMA OCASIÃO SE DECIDIU PUBLICAR. SÃO DEVIDOS AGRADECIMENTOS À EXCELENTÍSSIMA SENHORA DONA MARIA MADALENA COSTA LANÇA DE VASQUES TENREIRO PELAS FACILIDADES OFERECIDAS A ESTA PUBLICAÇÃO. "

 

Com efeito, este volume, para além da obra poética do autor, apresenta também uma notícia publicada no Diário de Lisboa, em 7 de Maio de 1966, um texto intitulado O Geógrafo Francisco Tenreiro, da autoria de Raquel Soeiro de Brito (n. 1925) e o texto Francisco José Tenreiro, Poeta, da autoria de Mario António Fernandes de Oliveira (1934-1989).

 

Reproduz, em seguida, o conteúdo integral das obras Ilha de Nome Santo ("Coimbra – MCMXLII") e Coração em África ("Lisboa – 1964"). No seu texto, Raquel Soeiro de Brito refere que, no âmbito da literatura, para além destes volumes, Francisco José Tenreiro havia publicado ainda o conto Nós Voltaremos Juntos, em 1942, Tarde de Tédio e O Velho Pioneiro Morreu (Theodore Dreiser), em 1946, e a antologia Poesia Negra de Expressão Portuguesa, em co-autoria com António Domingues (1921-2004) e Mário Pinto de Andrade (1928-1990), em 1953. Acescenta ainda que o escritor deixara prontas para publicação as obras Coração em ÁfricaProcesso Poesia, uma antologia de poesia africana.

 

Uma vez que, anteriormente, já aqui se publicou um poema que integra Ilha de Nome Santo, Canção do Mestiço, transcreve-se hoje um poema de Coração em África, Mamão Também Papaia, escrito em São Tomé na Páscoa de 1962, ficando para outra oportunidade poemas mais longos, e evocativos da poética de Cesário Verde (1855-1886) e Fernando Pessoa (1888-1935), como Amor de África:

 

"Mamão

também papaia.

 

Que sabor é o teu mamão

também papaia

que andas na boca dos pobres

e és delícia matinal

do Senhor Administrador?

 

Qual a tua sedução

mamão também papaia?

 

Será esse teu ar estranho

de seres melão e nasceres nas árvores

ou esse rosto de mama de mulher preta

recordando ao Senhor Administrador aquela

cujo seio se abriu em filhos mulatos

brincando pelas traseiras da Casa Grande?

 

Que força é tua

mamão também papaia?

 

Será porque alivias o rotundo ventre

do Senhor Administrador

e soltando a barriga do Senhor Administrador

libertas a neura e o sorriso

do Senhor Administrador

deixando-o mais macio e de olhos parados

para o dia de sol e quentura do Senhor?

 

Oh! Mamão também papaia

na boca de pobres e de ricos

de pretos de brancos e de mulatos,

fruto democrático da minha ilha!"

 

© Blog da Rua Nove

19.11.20

Poetas de S. Tomé e Príncipe (I)


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Alfredo Margarido (1928-2010; prefácio e estudo crítico), Poetas de S. Tomé e Príncipe (1963).

Ilustração da capa de José Pádua (n. 1934).

 

Este volume foi publicado pela Casa dos Estudantes do Império (CEI) numa edição dactilografada e policopiada, no seu miolo, embora apresente uma capa impressa tipograficamente, a exemplo de outras edições anteriores.

 

A CEI foi fundada em 1944 e extinta em 1965, depois de o Estado Novo concluir que seria um foco de instabilidade e contestação à sua política colonial, acção que atingiu um ponto alto com a saída clandestina do país, em 1961, de cerca de cem estudantes, os quais vieram posteriormente a desempenhar relevante acção nos movimentos de libertação africanos.

 

A CEI publicava também um boletim intitulado Mensagem, promovendo ainda a edição de várias outras obras, como a anterior Antologia de Poetas Angolanos, lançada em 1962.

 

Para esta colectânea, Alfredo Margarido, autor da introdução crítica de teor literário, histórico e sociológico, selecionou poemas de (por ordem de indexação na obra) Caetano da Costa Alegre (1864-1890), Francisco José Tenreiro (1921-1963), Alda do Espírito Santo (1926-2010), António Alves Tomaz Medeiros (1931-2019), Maria Manuela Margarido (1925-2007), Marcelo da Veiga (1892-1976) e Francisco Stockler (1834-1881).

 

Discorrendo sobre a obra de Francisco José Tenreiro na sua introdução, Alfredo Margarido salienta as díspares influências que ecoam na sua poesia, bem como o pioneirismo da sua abordagem poética:

 

"O conjunto de poemas de Francisco José Tenreiro insere-se na linha de negritude que, a partir de 1935, vinha sendo propugnada, no campo particular da poesia negra e malgache de expressão francesa, por Leopold Sedar Senghor e Aimé Cesaire. Mas, a [sic] lição destes dois poetas, soma-se, em Tenreiro, a presença dos poetas norte-americanos, como Countee Cullen e Langston Hugues [sic] e ainda a do cubano Nicolás Guillén. É meditando na lição destes poetas que Francisco José Tenreiro pode dar início, em língua portuguesa, a um movimento poético de negritude, onde o sentido social é a primeira e fundamental coordenada."

 

Francisco José Tenreiro publicara a sua primeira obra literária, Ilha de Nome Santo (1942), no âmbito da colecção coimbrã Novo Cancioneiro. Nesse mesmo ano publicou também, em co-autoria com Carlos Alberto Lança (datas desconhecidas), a colectânea Contos e Poemas.

 

Seguiram-se-lhes a colectânea Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953), agora em co-autoria com Mário Pinto de Andrade (1928-1990) e, numa reedição posterior (1982), com prefácio de Manuel Ferreira (1917-1992), Coração em África (1964) e o volume póstumo Obra Poética de Francisco José Tenreiro (1967).

 

Deste autor transcreve-se o poema Canção do Mestiço:

 

"Mestiço!

 

Nasci do negro e do branco

e quem olhar para mim

é como quem olhasse

para um tabuleiro de xadrez:

a vista passando depressa

fica baralhando cor

no olho alumbrado de quem vê.

 

Mestiço!

 

E tenho no peito uma alma grande

uma alma feita de adição

como 1 e 1 são 2.

Foi por isso que um dia

o branco cheio de raiva

contou os dedos das mãos

fez uma tabuada e falou grosso

mestiço!

a tua conta está errada.

Teu lugar é ao pé do negro.

Ah!

Mas eu não me danei...

E muito calminho

arrepanhei o meu cabelo para trás

fiz saltar fumo do meu cigarro

cantei do alto

a minha gargalhada livre

que encheu o branco de calor!...

 

Mestiço!

 

Qaundo amo a branca

   sou branco...

Quando amo a negra

   sou negro..."

 

© Blog da Rua Nove