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Literatura Colonial Portuguesa

Literatura Colonial Portuguesa

18.10.23

Poetas de S. Tomé e Príncipe (II)


blogdaruanove

 

Alfredo Margarido (1928-2010; prefácio e estudo crítico), Poetas de S. Tomé e Príncipe (1963).

Ilustração da capa de José Pádua (n. 1934).

 

Continuando a destacar, em primeiro lugar, poetas desta colectânea cuja obra ainda não tenha sido reproduzida neste espaço, aborda-se neste pequeno artigo a obra de Tomaz Medeiros (1931-2019), sobre a qual Alfredo Margarido afirmou – "A posição de Tomás Medeiros é a de uma completa adesão aos tema e problemas do humanismo negro: a minha família inteira / com os seus filósofos bantus / com os meus guerreiros balubas / cantando canções iorubas, ou seja não já um divórcio completo de valores ocidentais em que foi educado, mas um reconhecimento integral dos valores africanos que permanecem sob a capa europeia que foi imposta ao arquipélago."

 

Tomaz Medeiros foi diretor da revista Mensagem, editada, tal como esta colectânea, pela Casa dos Estudantes do Império, tendo estudado em São Tomé e, depois, em Angola e Portugal, já no ensino liceal. Em Portugal iniciou os seus estudos universitários, que depois veio a concluir, com uma licenciatura em Medicina, na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

 

Foi co-fundador do Movimento Popular de Libertação de Angola e do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, locutor e repórter da Rádio Moscovo. Colaborou ainda com o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, vindo a falecer em Portugal.

 

Na ficção narrativa é autor do romance O Automóvel do Engenheiro Diakamba (2003) e de Quando os Cucumbas Cantam (2016), estando a sua poesia editada apenas em colectâneas, tanto em língua portuguesa como noutras línguas. 

 

Transcreve-se, de seguida, o poema Um Socopé para Nicolás Guillén (1902-1989), onde se pode constatar que, afinal, a poesia de Tomás Medeiros transcende os problemas do humanismo negro e se filia também, ironicamente, num internacionalismo socialista de origem não africana.

 

UM SOCOPÉ PARA NICOLÁS GUILLÉN

 

Conheces tu

Nicolás Guillén,

a ilha do nome Santo?

 

Não? Tu não a conheces?

A ilha dos cafezais floridos

e dos cacaueiros balançando

com mamas de uma mulher virgem?

 

          Bembom, Nicolás Guillén,

          Nicolás Guillén, bembom.

 

Tu não conheces a ilha mestiça,

dos filhos sem pais

que as negras da ilha passeiam na rua?

 

Tu não conheces a ilha-riqueza

onde a miséria caminha

nos passos da gente?

 

          Bembom, Nicolás Guillén,

          Nicolás Guillén, bembom.

 

Oh! vem cá ver a minha ilha,

vem ver cá  de cima,

da nossa Sierra Maestra.

 

Vem ver com a vontade toda,

na cova da mão cheia.

 

Aqui não há ianques, Nicolás Guillén,

nem os ritmos sangrentos dos teus canaviais.

 

Aqui ninguém fala de yes,

nem fuma charuto ou

tabaco estrangeiro.

 

(Qu'importa, Nicolás Guillén,

Nicolás Guillén, qu'importa?)

 

Conoces tu 

La isla del Golfo?

 

          Bembom, Nicolás Guillén,

          Nicolás Guillén, bembom.

 

© Blog da Rua Nove

19.11.20

Poetas de S. Tomé e Príncipe (I)


blogdaruanove

 

Alfredo Margarido (1928-2010; prefácio e estudo crítico), Poetas de S. Tomé e Príncipe (1963).

Ilustração da capa de José Pádua (n. 1934).

 

Este volume foi publicado pela Casa dos Estudantes do Império (CEI) numa edição dactilografada e policopiada, no seu miolo, embora apresente uma capa impressa tipograficamente, a exemplo de outras edições anteriores.

 

A CEI foi fundada em 1944 e extinta em 1965, depois de o Estado Novo concluir que seria um foco de instabilidade e contestação à sua política colonial, acção que atingiu um ponto alto com a saída clandestina do país, em 1961, de cerca de cem estudantes, os quais vieram posteriormente a desempenhar relevante acção nos movimentos de libertação africanos.

 

A CEI publicava também um boletim intitulado Mensagem, promovendo ainda a edição de várias outras obras, como a anterior Antologia de Poetas Angolanos, lançada em 1962.

 

Para esta colectânea, Alfredo Margarido, autor da introdução crítica de teor literário, histórico e sociológico, selecionou poemas de (por ordem de indexação na obra) Caetano da Costa Alegre (1864-1890), Francisco José Tenreiro (1921-1963), Alda do Espírito Santo (1926-2010), António Alves Tomaz Medeiros (1931-2019), Maria Manuela Margarido (1925-2007), Marcelo da Veiga (1892-1976) e Francisco Stockler (1834-1881).

 

Discorrendo sobre a obra de Francisco José Tenreiro na sua introdução, Alfredo Margarido salienta as díspares influências que ecoam na sua poesia, bem como o pioneirismo da sua abordagem poética:

 

"O conjunto de poemas de Francisco José Tenreiro insere-se na linha de negritude que, a partir de 1935, vinha sendo propugnada, no campo particular da poesia negra e malgache de expressão francesa, por Leopold Sedar Senghor e Aimé Cesaire. Mas, a [sic] lição destes dois poetas, soma-se, em Tenreiro, a presença dos poetas norte-americanos, como Countee Cullen e Langston Hugues [sic] e ainda a do cubano Nicolás Guillén. É meditando na lição destes poetas que Francisco José Tenreiro pode dar início, em língua portuguesa, a um movimento poético de negritude, onde o sentido social é a primeira e fundamental coordenada."

 

Francisco José Tenreiro publicara a sua primeira obra literária, Ilha de Nome Santo (1942), no âmbito da colecção coimbrã Novo Cancioneiro. Nesse mesmo ano publicou também, em co-autoria com Carlos Alberto Lança (datas desconhecidas), a colectânea Contos e Poemas.

 

Seguiram-se-lhes a colectânea Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953), agora em co-autoria com Mário Pinto de Andrade (1928-1990) e, numa reedição posterior (1982), com prefácio de Manuel Ferreira (1917-1992), Coração em África (1964) e o volume póstumo Obra Poética de Francisco José Tenreiro (1967).

 

Deste autor transcreve-se o poema Canção do Mestiço:

 

"Mestiço!

 

Nasci do negro e do branco

e quem olhar para mim

é como quem olhasse

para um tabuleiro de xadrez:

a vista passando depressa

fica baralhando cor

no olho alumbrado de quem vê.

 

Mestiço!

 

E tenho no peito uma alma grande

uma alma feita de adição

como 1 e 1 são 2.

Foi por isso que um dia

o branco cheio de raiva

contou os dedos das mãos

fez uma tabuada e falou grosso

mestiço!

a tua conta está errada.

Teu lugar é ao pé do negro.

Ah!

Mas eu não me danei...

E muito calminho

arrepanhei o meu cabelo para trás

fiz saltar fumo do meu cigarro

cantei do alto

a minha gargalhada livre

que encheu o branco de calor!...

 

Mestiço!

 

Qaundo amo a branca

   sou branco...

Quando amo a negra

   sou negro..."

 

© Blog da Rua Nove